Não é fácil ser-se diferente! Não aquele ser-se diferente porque se quer ser diferente, ou por pura rebeldia ou para ser-se visto ou notado.
Refiro-me àquele “ser-se diferente” apenas porque apetece ser-se assim, independentemente dos códigos em vigor, das opiniões dos circundantes ou das reacções que se provoca. Ser-se diferente apenas porque se o é e nada mais. Não é fácil!
E no Jardim da Estrela é fácil encontrar-se quem seja diferente.
Desde logo eu mesmo que, para além da minha figura, estou ali a ofertar fotografias por um qualquer motivo obscuro. Que alguns entendem, que outros toleram e que outros ainda, porque não entendem ou toleram, insultam ou denigrem.
Há o caso, igualmente diferente, daquele que se diz pintor de construção civil e que é visto e ouvido no jardim quase todos os dias. Em regra, ouvimo-lo antes de o vermos, que tem na sua bicicleta um potente rádio a pilhas, ao estilo dos velhos “tijolos”, que vai ouvindo enquanto pedala, impondo aos demais utentes do jardim a sua escolha musical. Goste-se ou não dela! E, claro está, basta um olhar para o sabermos um adepto incondicional do Benfica, pela cor com que pintou o velocípede e pela portentosa e colorida bandeira que lhe está acoplada.
Temos também aquela outra senhora, já na casa dos sessentas, bem gorda e volumosa, que transporta sempre consigo uma enorme e pesada mochila. Nunca soube o que lá tem, que nunca o mostrou nem dela falou. Nem mesmo quando o álcool a faz ser menos normal ainda e se torna conflituosa para com passa por ela, falando-lhe ou não.
E temos o caso presente. De idade indefinida, mas avançada, cabeça sempre rapada, pescoço taurino, nariz adunco e andar elástico, nunca
O vi a falar com quem quer que fosse. Nem mesmo um sorriso ou um acenar de cabeça. E vejo-o todos os dias que estou no Jardim da Estrela.
Invariavelmente, quando chega dirige-se a um dos aparelhos de ginástica que lá estão e usa uns bons vinte minutos a pedalar com genica. Em seguida, senta-se num dos bancos do jardim, isolado, e está uma boa meia hora a dar de comer aos pombos. Mas fá-lo como aqui se vê ou, mais complicado ainda, agarrando-os (que eles se deixam agarrar por ele) e, um por um, leva-lhes o bico à mão para que depeniquem. Deve conhecer cada um deles, que a uns aceita e a outros recusa, como que a dizer “Hoje não é a tua vez!”
Os pombos, esses, conhecem-no à distância, e fazem bando no chão, por vezes ainda antes de ele lá chegar.
Esta fotografia é uma raridade, já que aconteceu quando, por uma vez sem exemplo, ele parou no caminho de regresso e aconteceu o que aqui vedes. Nunca ele tinha estado tão perto de mim a alimentá-los, nem eu tinha tido a coragem de dele me aproximar e quebrar a sua intimidade com eles para um registo.
Deste seu aspecto e comportamento resulta ser um dos que “São Diferentes”. E, em torno dessa diferença, bem inofensiva, muito se pode congeminar. Por mim, talvez devido à cultura cinematográfica norte-americana, consigo imaginá-lo como alguém que cumpriu uma longa e dura pena de prisão e que, lá dentro, se refugiou nos pombos como o símbolo da liberdade que não tinha. E que, em saindo e sentindo-se desenraizado, manteve o hábito e os amigos alados.
Não passa tudo isto de uma ficção, criada por alguém que passa horas a fio em torno de uma caixa de madeira encavalitada num tripé vetusto.
Mas… Quem sou eu para criticar o “Ser-se Diferente” dos outros? Não sei eu que não é fácil sê-lo?
Texto e imagem: by me
Refiro-me àquele “ser-se diferente” apenas porque apetece ser-se assim, independentemente dos códigos em vigor, das opiniões dos circundantes ou das reacções que se provoca. Ser-se diferente apenas porque se o é e nada mais. Não é fácil!
E no Jardim da Estrela é fácil encontrar-se quem seja diferente.
Desde logo eu mesmo que, para além da minha figura, estou ali a ofertar fotografias por um qualquer motivo obscuro. Que alguns entendem, que outros toleram e que outros ainda, porque não entendem ou toleram, insultam ou denigrem.
Há o caso, igualmente diferente, daquele que se diz pintor de construção civil e que é visto e ouvido no jardim quase todos os dias. Em regra, ouvimo-lo antes de o vermos, que tem na sua bicicleta um potente rádio a pilhas, ao estilo dos velhos “tijolos”, que vai ouvindo enquanto pedala, impondo aos demais utentes do jardim a sua escolha musical. Goste-se ou não dela! E, claro está, basta um olhar para o sabermos um adepto incondicional do Benfica, pela cor com que pintou o velocípede e pela portentosa e colorida bandeira que lhe está acoplada.
Temos também aquela outra senhora, já na casa dos sessentas, bem gorda e volumosa, que transporta sempre consigo uma enorme e pesada mochila. Nunca soube o que lá tem, que nunca o mostrou nem dela falou. Nem mesmo quando o álcool a faz ser menos normal ainda e se torna conflituosa para com passa por ela, falando-lhe ou não.
E temos o caso presente. De idade indefinida, mas avançada, cabeça sempre rapada, pescoço taurino, nariz adunco e andar elástico, nunca
O vi a falar com quem quer que fosse. Nem mesmo um sorriso ou um acenar de cabeça. E vejo-o todos os dias que estou no Jardim da Estrela.
Invariavelmente, quando chega dirige-se a um dos aparelhos de ginástica que lá estão e usa uns bons vinte minutos a pedalar com genica. Em seguida, senta-se num dos bancos do jardim, isolado, e está uma boa meia hora a dar de comer aos pombos. Mas fá-lo como aqui se vê ou, mais complicado ainda, agarrando-os (que eles se deixam agarrar por ele) e, um por um, leva-lhes o bico à mão para que depeniquem. Deve conhecer cada um deles, que a uns aceita e a outros recusa, como que a dizer “Hoje não é a tua vez!”
Os pombos, esses, conhecem-no à distância, e fazem bando no chão, por vezes ainda antes de ele lá chegar.
Esta fotografia é uma raridade, já que aconteceu quando, por uma vez sem exemplo, ele parou no caminho de regresso e aconteceu o que aqui vedes. Nunca ele tinha estado tão perto de mim a alimentá-los, nem eu tinha tido a coragem de dele me aproximar e quebrar a sua intimidade com eles para um registo.
Deste seu aspecto e comportamento resulta ser um dos que “São Diferentes”. E, em torno dessa diferença, bem inofensiva, muito se pode congeminar. Por mim, talvez devido à cultura cinematográfica norte-americana, consigo imaginá-lo como alguém que cumpriu uma longa e dura pena de prisão e que, lá dentro, se refugiou nos pombos como o símbolo da liberdade que não tinha. E que, em saindo e sentindo-se desenraizado, manteve o hábito e os amigos alados.
Não passa tudo isto de uma ficção, criada por alguém que passa horas a fio em torno de uma caixa de madeira encavalitada num tripé vetusto.
Mas… Quem sou eu para criticar o “Ser-se Diferente” dos outros? Não sei eu que não é fácil sê-lo?
Texto e imagem: by me
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