À fé de quem sou!


Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.
Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque, afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

Texto e imagem: by me

A fotografia do dia


Muitos, senão todos, me perguntam que ganho eu com o fazer fotografias e dá-las gratuitamente.
As respostas que vou dando variam um pouco, levando em linha de conta os interlocutores. Ou falo no meu estudo - o que é verdade -, ou refiro o meu prazer em fotografar – o que também é verdade -, ou afirmo que os seus sorrisos são a paga suficiente – o que é igualmente verdade.
Mas o meu maior lucro são as histórias e estórias que vou ouvindo, vendo ou vivendo.

Tocou-me em sorte um casal, na casa dos quarentas. Conversa vai, conversa vem, e quiseram fazer uma fotografia. Ela exuberante e sorridente, ele mais sério e bem séptico quanto à situação.
Enquanto fazia o inquérito habitual, diz-me ela a dado passo:
“Sabe, é que nós somos amantes! Eu sou divorciada, mas ele é casado. Eu já assumi a nossa relação, ele é que ainda não! Esta é a nossa primeira fotografia juntos.”
(Ops! Esta é novidade e bem ternurenta!) Atalhei logo com a questão da web e se a queriam lá ou não, não fosse dar-se o caso… Efectivamente não queriam e eu assumi o compromisso de o respeitar, como de costume.
Depois disto, e com um sorriso tímido, ele começou a soltar-se e comentou ser pena ser apenas uma fotografia. Quem iria ficar com ela? Na verdade, a questão já estava a ser decidida, com ela a cortar a fotografia entregue, por forma a caber na sua carteira, junto com as dos filhos e a do pai, que fez questão de mas mostrar.
As regras existem para serem quebradas! Donde, não tinha muito que saber: Vá de imprimir uma igual e de lhas ofertar.
O sorriso que vi na cara dele, valeu por tudo. Acontecesse o que acontecesse no resto do dia, este momento pagou tudo o resto. Tinha feito AQUELA fotografia!

A fotografia? Bem, o local onde foi feita foi este, mas não estavam à espera que eles aqui aparecessem, pois não?

Texto e imagem: by me

A mentira


Primeiro veio um.
A dificuldade da língua foi, não apenas mais que evidente, como a mais complicada que já tive. Nem mesmo com aquele marinheiro Polaco, que nada sabia que não a sua língua natal, mas cujo guia rápido de conversação Polaco/Inglês/Polaco sempre ajudou um pouco.
Mas deu para ele entender que era grátis e quis fazer uma foto. Não lhe consegui arrancar um sorriso para a posteridade.
Passado um pouco, não muito, regressa com um companheiro. Com este a comunicação foi muito difícil, mas já dava para nos entendermos, entre palavras e gestos. Queriam fazer uma com os dois.
Pois que seja, que estamos em época baixa e não é uma extra que me empobrece.
E continuei a não ser capaz que sorrissem.
Feita, entregue e agradecida, ficaram à conversa na sua língua bem distante da nossa. Mas sempre deu para irmos percebendo (eu e um casal que por ali estava a assistir à função) que estavam a discutir.
Uns minutos passados, regressam e pedem para fazer uma segunda. Pelo que entendi, a questão era saber quem ficava com aquela que lhes tinha entregue. Com os pedidos habituais e as recomendações à protecção divina que é típica de quem vem daquelas bandas.
Quando me preparava para fazer uma segunda impressão, eis que constato que regressam ao local da pose. Mais, um deles, apesar dos protestos do companheiro, começa a despir-se, retirando um surpreendente número de camisolas, umas mais grossas que outras.

Está grosso”, disseram os que assistiam. E pensei eu.

Mas não! Parou nos propósitos que aqui vêem e foi assim que quiseram ficar na fotografia. Sempre sem um sorriso.
Despediram-se com um forte aperto de mão, vénias, sorrisos rasgados e um franco elogio meio invejoso à minha barba.

Interpretação minha:
Fortes, másculos, rebitesos, sem frio e sem fome
Quem diz que a fotografia não mente?

Texto e imagem: by me

Afinal, o que é uma boa fotografia?


Um dos prazeres da fotografia é o desafio que nos levanta. Confrontados com um dado assunto ou objecto, conseguirmos usar a luz (quantidade e qualidade), materiais sensíveis, perspectiva e suporte final para reproduzirmos o que vimos ou imaginámos. A transposição da tridimensionalidade para a planura do papel ou ecrã.
Um dos temas que tenho por mais difícil de fotografar é vidros, joalharia ou cutelaria. Para além da questão do contexto em que são mostrados, o seu brilho e textura levam a que o rigor na tomada de vista seja levado muito a sério. Nunca tentei fotografar profissionalmente automóveis, mas creio que as dificuldades sejam semelhantes.
Outro tema que tenho por difícil é o bicho-homem. A sua mobilidade constante, a permanente mudança de expressão e de humor, a necessidade de transpor para a imagem a sua alma, karma ou que lhe queiram chamar, tornam este género fotográfico num dos mais difíceis e polémicos.
Acrescente-se que o retrato é a “pérola da dificuldade”, já que, e para além da crítica do fotógrafo e do público em geral, o próprio retratado é do que há de mais exigente. As questões técnicas e estéticas em geral deixam-no indiferente, mas as poses, as expressões, os olhares e sorrisos ou a postura corporal são vitais, e a culpa é sempre do fotógrafo.

Um bom exemplo desta prática e dificuldade é o meu projecto "Oldfashion". A perspectiva é escolhida por mim, considerando os elementos do fundo, a luz e a sua rotação de 90º durante o tempo que por ali estou.
Para simplificar o processo, os retratados são colocados em zona de sombra, tal como o fundo. Não apenas reduz os eventuais excessos de contraste difíceis de controlar neste método, como ainda permite que os sistemas automáticos de focagem e exposição funcionem medianamente bem.
O local onde os fotografados se colocam também é por mim escolhido. Por uma questão de composição de elementos – o corpo é vertical, o enquadramento horizontal – como também para que exista algum contraste de tons e luz entre o torso e o fundo. Nem sempre consigo que fiquem onde gostaria, já que demasiado controlo neste aspecto retira alguma espontaneidade aos fotografados. E a câmara, compromisso meu, não sai do local.
Sobre a pose, pouco ou nada intervenho. Para além de ajustar um tudo ou nada o eixo dos corpos em relação à objectiva, se for demasiado chocante o que naturalmente assumem, e de deixar cair uma laracha no momento da obturação, o resto é por conta deles.
De tudo isto resultam fotografias que técnica e esteticamente estão no limite do aceitável. Algumas abaixo, talvez. Mas a reacção dos retratados é particularmente divertida.
Ainda que a fotografia seja fracota, quase todos dizem que gostaram e que ficou boa, manifestando algum espanto que aquela caixa as possa fazer. Mesmo que as suas expressões demonstrem que não gostaram por ai além. As suas preocupações debruçam-se sobre as poses, os sorrisos, os olhares…
Uma senhora houve que, olhando para o papel que tinha na mão, comentou: “Esta sou eu, não é!” Pela conversa, prévia e posterior, entendi a sua tristeza face às agruras da sua vida. Uma outra, brasileira, e na casa dos quarenta, comentou o quanto tinha envelhecido nos últimos dois anos, tempo da sua estada por cá. A gente jovem ri-se de si mesma e procura com afinco os olhos e a expressão da boca. Num caso, cheguei mesmo a ter que ceder a minha lupa do relógio para que fossem vistos.
Mas, muito curioso, é o facto de serem os agentes das forças de segurança (PSP e GNR) os mais exigentes com o que vêem e recebem. É neste grupo, independentemente das idades e cuja maioria quer a fotografia em papel mas recusa a sua presença na internete, que se encontram a mais duras críticas. Quer seja a luz, quer seja o instante da expressão captada, quer seja a pose ou o local escolhido, quer seja por parecerem mais gordos… Nem mesmo outros fotógrafos que quiseram ser fotografados foram tão críticos. Não sei se esta atitude de rigor advirá dos seus ofícios, em que não deixam de ser o que são, estejam fardados ou à paisana.
Quanto aos demais fotografados, em regra, tomam por uma boa fotografia aquela que não o é, e que por vezes é medíocre.

O que me põe a perguntar, muito seriamente: “Afinal, o que é uma boa fotografia?”

Texto e imagem: by me

Agora é agora!


Sabe, era ali ao fundo, junto ao portão. Era lá que costumava estar o fotógrafo, às vezes mais que um. Outras vezes estava lá um e outro por aqui, perto do coreto.
Era na altura em que eu e o resto da canalha miúda vínhamos para aqui, junto à árvore-da-borracha e vínhamos apanhar bagas. Depois com paus de fósforo, também apanhados aqui e ali, fazíamos uma espécie de coroas. Nelas espetávamos folhas de árvore e ficávamos assim com um coçar de índio com penas e tudo. Dividíamo-nos em índios e cowboys e íamos ali para o fundo, para aquilo que chamávamos de montanha, brincar.
Mas isso era naquela altura. Agora… Bem, agora é agora!

Isto foi, mais coisa menos coisa, o que me contou um dos meus interlocutores, já não tão novo quanto isso como se percebe. Ainda me adiantou que terá sido ainda antes de a feira popular ter passado por estes terrenos, entre o estar em Palhavã e o ir em definitivo para Entrecampos. Onde se finou!
Na imagem, uma tosca tentativa de recriação dessas coroas.
Não é fácil fazê-lo regular e a escolha das bagas bonitas e redondas também não.
Mas o mais complicado, a bem dizer o que foi impossível, foi encontrar uma caixa de fósforos. Carteira ainda se encontra. Agora caixa, daquelas pequenas com quarenta amorfos no interior e que cabem no bolso…
Bem, não corri seca e meca, mas das duas dezenas de lojas onde entrei apenas me propuseram carteiras, e nem em todas elas.

É que agora…. Bem, agora é agora!

Texto e imagem: by me

Aguaceiros? Pois sim!


E, se ao sairdes da cama num inicio de fim-de-semana, constardes que será de aguaceiros, não pondereis seriamente se ficareis em casa ou se saíreis para fotografar. Saí!

Tereis assim oportunidade de retratar:
gente dos oito aos noventa e dois anos,
solitários,
aos pares
ou em grupo,
pais e filhos,
namorados,
primos,
gémeos,
colegas
ou irmanados na mesma limitação,
faladores que nem gralhas
ou surdos-mudos de nascença.

Canalizadores,
esteticistas,
psicólogos,
arquitectos,
diplomatas,
armadores de ferro,
serventes,
estudantes,
reformados,
donas-de-casa,
professores,
operadores de lavandaria,
empregados de escritório,
técnicos de informática,
carpinteiros,
técnicos de elevadores
ou serralheiros mecânicos.

Podereis ainda:
rir e fazer rir,
sonhar e fazer sonhar,
fotografar e serdes fotografado.

Cobrir três dos cinco continentes sem sair do lugar,
escrever, soletrar ou copiar nomes arrevesados,
ter gente a não acreditar na oferta insólita
e outros a querer aproveita-la até à última gota.

Ver passar:
a polícia,
o vendedor de flores,
o de castanhas assadas,
o guarda-jardim,
os que passeiam o cão,
e por eles ser cumprimentado com um da casa.

Ser confidente de uma metade de um arrufo de namorados de longa data e prometer-lhe uma compensação por uma fotografia roubada.
Ver alguém triste e arrancar-lhe um sorriso porque, afinal, não é exactamente como se vê ao espelho.

Não!
Se o fim-de-semana prometer aguaceiros, saí e fotografai!
Não há duas nuvens iguais, tal como não há pessoas iguais nem fotografias iguais.
Mas os sorrisos, esses, provocam sempre o mesmo: outro sorriso.

Texto e imagem: by me

Amor com amor se paga


Tenho que admitir que fui mauzinho, mas não resisti!

Vi-a aproximar-se. Fins dos 60’s, principio dos 70’s, bem vestida e com um andar firme. Ao passar pelo chafariz (avariado e sem torneira, por sinal), parou. Deu meia volta, abeirou-se de um canteiro florido e colheu um ramalhete. Não uma nem duas mas um ramalhete de flores.
Não gostei! Não gostei nem um bocadinho! Claro que elas estão ali, sem redes nem guardas. Mas tenho para mim que, ainda que sejam pagas pelo erário público, ou por isso mesmo, as devemos lá deixar ficar, para nosso prazer e dos que em seguida vierem. Mas como ela não terá sido a primeira nem, infelizmente, será a última, deixei-me ficar, registando para mim o facto. Nada mais.
Depois de as ter composto na mão, retomou a marcha. Para os meus lados. E quando deu com os olhos no meu artefacto, inflectiu o rumo e aproximou-se.
Às saudações habituais, de quem está bem disposto consigo e com o mundo, acrescentou a questão de, estando eu por ali, porque não iria eu também ao Jardim da Parada, ali em Campo de Ourique?
Lá lhe respondi, cortês mas sem grandes sorrisos, que gosto mais do da Estrela (ainda que já lá tenha estado e até nem me tenha desagradado. É uma alternativa possível.)
Quando me perguntou pelo preço, não perdoei! Disse-lhe que eram grátis mas não roubadas, como as flores que tinha na mão! E que se todos fizessem como ela, nenhuma restaria para vermos e gostarmos!
A resposta? Bem, foi sublime!
Disse que sabia ser pecado; Que antes mesmo de as arrancar tinha pedido perdão a deus; Que eram para a sua neta, pelo que seriam para uma boa causa; Que ela mesma até era muito piedosa, alimentando mais de vinte gatos vadios lá na rua dela, sem pedir nada a ninguém.
Os deuses perdoam, os burros esquecem! Não sendo eu nem uma coisa nem outra, quando acrescentou que haveria de passar por ali de novo, desta feita com a neta, para “tirar” uma fotografia, sempre lhe disse que logo se veria se me apeteceria ou não fazê-la.
Olhou para mim uns segundos, sorriu como se tivesse acabado de me perdoar de uma terrível blasfémia e seguiu o seu caminho sem mais uma palavra.

Não sei se lhe recordarei a cara caso regresse daqui a uns dias. Mas se a memória me não falhar e ela voltar, fotos minhas de borla não terá!
Manias minhas, que até gosto de ver as flores nos jardins!

Texto e imagem: by me

Apelo


Procura-se, com afinco, uma bicicleta e fé!

A bicicleta:
Amarela, com guarda-lamas azuis e a imagem e o nome de Nodi impressos de lado. É de tamanho infantil, tem duas rodinhas extra atrás para que não caia, é nova e chia ao andar.
A dona, Madalena de seu nome, deslocou-se ao Jardim da Estrela sábado passado com os seus pais, vinda de Odivelas nos arrabaldes, Com os seus cinco anitos, o seu intuito era usufruir do espaço, da tarde e da infância, andando no seu velocípede quase novo.
De acordo com o relato feito pelos pais, o brinquedo, que terá custado pouco mais de oitenta euros, foi emprestado pela mocinha a uma outra amiguinha ali recém-conhecida e que por ali também brincava. Enquanto a legítima dona brincava com uma bola, a outra dava umas pedaladas. Mais velhinha um pouco, gorduchinha e de vestido branco, não mais foi vista ou à bicicleta.
Nessa tarde e na seguinte, o jardim foi batido pelos pais, o alerta foi dado aos que por ali costumam estar, na esplanada, nos bancos e nas relvas, aos polícias de giro…
Até às 18 horas do dia seguinte ao desaparecimento, não havia boas notícias para contar.

A fé:
A fé da Madalena na partilha, na generosidade e na espécie humana.
Esta garotinha, triste e repreendida pelos pais por causa do seu empréstimo, terá perdido a natural espontaneidade em emprestar e a fé nos seus iguais.
Esta má experiência, que aos cinco anos pode ser traumatizante, irá prepará-la para o mundo agreste, violento e egocêntrico em que vivemos. Mas é uma preparação particularmente precoce e dolorosa.
Deveria durante muito tempo ainda – toda a vida se possível – ser solidária, generosa, partilhante de si mesma e do que possuir para com os que possam necessitar. “É de pequenino que se torce o pé ao pepino”, mas este deveria crescer a direito, rijo e recto em direcção aos outros, ao grupo, à humanidade.

As alvíssaras que se possam dar pela recuperação desta bicicleta e desta fé não serão em moedas. Medem-se em afectos!

Texto: by me
Imagem: by me (e não, não são os olhos da Madalena)

Apontamentos


Domingo, Jardim da Estrela.

Apesar de o dia ter estado bonito e eu ter reiniciado o “Oldfashion”, nem tudo correu pelo melhor.
Começando pela Natureza ela mesma. Temperatura amena de início de primavera, sol radioso a prometer um verão quente, sem vento ou outras agressões que pudessem por em perigo as vontades dos passantes. Mas ainda é cedo e a minha árvore preferida, aquela que provoca a sombra agradável onde a quero, ainda não se vestiu, mantendo-se com o aspecto de quem toma banhos de Inverno, na chuva.
A crueza do sol levou-me a procurar outras sombras mas, confesso, os fundos não me convenceram agora, tal como não me tinham convencido anteriormente: ou bem que é contrastado no sol-e-sombra, ou bem que é cosmopolita em demasia ou bem que é uma parede fechada, de vegetal ou de alvenaria, que não me permite ver as linhas de fuga de que gosto.
O recurso? Passar o dia a mudar de poiso, ao sabor do movimento angular do sol e dos ajuntamentos de transeuntes.
E se a primavera já mostra um “ar da sua graça”, os alfacinhas ainda estão tímidos no que ao ar livre respeita e a manhã foi de uma pobreza franciscana no que toca a passeantes.Que fazer então, se não há “clientes”, se os locais propícios são escassos e, ainda por cima, ocupados por carros-patrulha da polícia? Inventa-se!
As promessas primaveris já aí estão, sob a forma de alguns frutos, que se vão acumulando no chão antes da passagem do varredor municipal. Este é um deles, em equilíbrio instável no topo da minha câmara artesanal.
Uma promessa de futuro que fará medrar o meu projecto!

Texto e imagem: by me

Atrás de um olhar


Quem é?
Eu sei-o, ele sabe-o mas será não muito importante que os que por aqui o vêem o saibam.
Basta que se saiba que foi alfaiate de ofício, filósofo de coração, retórico convicto.
Não sei se seria dois terços do que é se não fosse mais um dos que, por esse país fora, arrastam o que lhes sobra na memória e afecta a vida sobre o que passaram em África. Um daqueles que por lá estiveram, que voltaram com a pele toda, que fizeram o que fizeram, que viram o que viram e que, ainda hoje, em sonhos ou acordados, não o conseguiram guardar numa gaveta da memória.
É assustador constatar quantos por aí andam, deambulando, desejosos de encontrar algo ou alguém que lhes restitua uma noite que seja de tranquilidade.
No meu para-ofício de fotógrafo de jardim, ali estando com alguma bonomia ouvindo e retorquindo, acabo por ser, também, ouvinte do que me vão contando. E, à medida que os contactos se vão repetindo e as confianças aumentando, as memórias vêm à tona, uns desabafos tímidos, um lançar a bisca a ver se poderão continuar ou se serão tratados como loucos, que é a tónica dominante nos tempos que correm.
Dos detalhes ainda não ouvi. Apenas dos sintomas e das consequências. E das idas às consultas, das longas noites insones, dos receios de perca de auto-controlo, dos medos nas ruas, do pavor de regressar a casa… destes e de outros detalhes vou ouvindo, sem saber bem que responder que não seja com os ouvidos, escutando-os e tentando que ali, junto a uma câmara de outros tempos, sem estranhos de volta, possam contar voluntariamente o que os assusta de outros tempos e de hoje, sem peias ou recriminações.
Dos idosos que por ali andam, no Jardim da Estrela, são pelo menos quatro com estas atitudes que de mim vão fazendo confidente. E eu, em escutando-os e vendo-lhes as mudanças de humor e, ocasionalmente, uma lágrima escondida, recordo-me dos nossos políticos que tentam, a todo o custo, esconder estas misérias humanas de que somos todos, de uma forma ou outra, responsáveis. E possuidores do dever de para com eles ter uma atitude mais condigna na sua condição de ex-combatentes, fosse ou não válida a guerra em estiveram envolvidos.
Porque o conceito de pátria ou de nação, seja isso lá o que for, não se prende apenas aos momentos de glória e de êxtase.
Para estes olhos, e para os outros que vagueiam por todos os “jardins da estrela”, os meus pedidos de desculpa em nome dos portugueses, pelo abandono a que são votados!

Texto e imagem: by me

Au revoir!


Nunca vos aconteceu? Acordarem de manhã com uma música no ouvido? Pois a mim acontece-me volta e meia.
Nunca percebi muito bem o motivo de tal e muito menos os critérios para que seja essa e não qualquer outra. Por vezes é uma mais popular e simples, outras uma mais pesada e “rocalhada”, por vezes ainda uma qualquer outra menos comum e insuspeita.
Pois nesta manhã de domingo, que tinha previsto ir passar no Jardim da Estrela, dei comigo a sair da cama com a Marselhesa no ouvido. O “Allons enfans de la patrie” não havia meio de querer parar de sair pela boca, ecoando na cabeça, materializado mais por assobio que cantado, que só sei a primeira linha. E nada o justificava, que não o tinha ouvido recentemente, não tinha visto nenhum filme desta língua, nem mesmo ouvido qualquer música com esta origem nos últimos tempos.
Não prestei muita atenção ao facto. Até porque o conceito que à época, o acompanhou – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – fazem parte da minha maneira de estar na vida.
E eis que dou comigo, em pleno Jardim da Estrela, com concerto musical por fundo, a fotografar desesperadamente. Foi uma tarde altamente proveitosa, sob diversos pontos de vista, incluindo o número de imagens efectuadas. Felizmente levava reservas de energia e matéria-prima, ou teria ficado apeado.
Com o que eu não contava foi o ter que usar dos meus parcos conhecimentos da língua francesa com transeuntes, fotografados ou não. Em regra o inglês sobrepõe-se, sendo que é o actual “esperanto”. Mas esta foi uma tarde francesa.
E, dos diversos contactos que tive nesta língua, evidencio com particular ênfase esta mocinha que aqui vedes. Depois de uma troca de fotografias, fiquei sabendo que, para além de marselhesa de origem, é estudante de fotografia. E, mesmo estando de férias, não dispensa a sua câmara e o seu uso. Recomenda-se!
O que também se recomenda é reparar com atenção no que tem nas mãos: uma Bronica 6x45. Película formato 120, doze fotografias por rolo, nada de zooms ou artifícios electrónicos. É com esta ferramenta que aprende o ofício, suponho que também com qualquer outra digital que possua. Mas esta foi a que escolheu para trazer nas férias.
Digam lá o que disserem os pedantes da fotografia contemporânea, a fotografia faz-se pensando, mesmo a reportagem. E esta câmara é uma das que obriga a tal exercício. Pela forma como é manuseada, pelo custo de cada imagem, pela sobriedade das opções. Há que saber o que se faz antes de o fazer. Ou, por outras palavras, há que saber o porquê antes de se encontrar o como.
Fica daqui o meu aplauso à Lola, assim se chama ela, bem como à escola onde estuda que a incentivou a tal.
Au revoir!


Texto e imagem: by me

Como ilustrar?


Não chegava a um metro e setenta. A sua barba era branca e estava de acordo com o graduado dos óculos de aros grandes e quadrados. O cão que trazia pela trela quase que lhe arrancava o braço, de seco que era de carnes.
Quando se aproximou, meteu conversa. O artefacto ali exposto é, quase sempre, motivo de conversas com o seu utilizador, de sorrisos de memórias distantes ou de apartes para os companheiros de passeio. Mas os oitenta anos deste passeante não perdoaram e acabou por se sentar no banco de jardim.
Passado um pouco de bate-papo de recordações, eis que, do outro lado do coreto, surge uma cara conhecida. Já por lá tinha passado várias vezes e muitas tinham sido as horas de conversa filosófico-política. Um dos seus entreténs é tentar desmontar a afirmação do fotógrafo em ser anarquista.
Na sua companhia vinha um gigante. Não um mitológico, mas media, bem medidos, um e noventa e cinco. Para cima.
Fotógrafo e câmara são apresentados, como figuras raras mas já típicas do local, com um comentário “Não te tinha dito?!”
Conversa vai, conversa vem e, a propósito de qualquer coisa, falou-se de basquetebol. Que o mais alto dos dois Luíses tinha praticado há uns bons quarenta anos.
E o pequenino, lá do banco com o cão ao lado, salta como que picado:

“Basquetebol? Você praticou basquetebol? É que, sabe, eu fui seleccionador do Clube Tal! Sou o Carvalhal!”
“Nem me diga! Quando? Então deve-se lembrar de mim, que treinámos e jogámos juntos!”


E lembrava! As memórias conjuntas jorraram como que fresquinhas: nomes, lugares, encontros e resultados. Fotógrafo e visitante habitual ficaram de fora, que nada daquilo lhes dizia respeito, a não ser a satisfação daquele encontro fortuito e improvável.
Dos relatos distantes resultaram nomes e encontros recentes e foram reforçados por telefonemas para outros dali ausentes mas que tinham partilhado lugares e experiências. E trocas de números de telefone.
Antes de se separarem, os dois para um almoço com terceiros, o mais pequeno com o cão para casa, deixou o conhecido uma pergunta:

“E agora? Como é que vai registar este encontro? Nem uma fotografia dos dois juntos faz?”
“Não! retorquiu o fotógrafo, Como mau repórter, fico-me com as memórias e as letras, mais tarde lançadas no papel. Depois logo penso numa imagem!”

Aqui fica, deixando as recordações e o reencontro para quem o viveu.

Texto e imagem: by me

Como se declara isto?


E o que fazem esta duas florzinhas pousadas na tampa do meu artefacto?
Estas flores foram, talvez, o melhor pagamento que já tive desta minha actividade!

Foi aí pelas onze e pouco da manhã. Não estava a contar com grande coisa antes do almoço, que é sempre fraco se produtivo, mas montei a banca. Ainda não tinha acabado de um fazer, eis que surge uma família completa. Um casal e quatro pimpolhos.
Pergunta-me o pai se aquilo era o que ele estava a pensar e se eu estava ali a fazer fotografias. Confirmei, expliquei a gratuiticidade do acto e a brevidade do processo. Dispuseram-se a fazer.
Click feito, com o clássico “Olho passarinho” e, quando vou a passar para o papel, tudo falha. O sistema de impressão tinha “dado o berro” e não havia meio de o por a trabalhar.
Meio aflito, que estava a ver que a coisa não seria fácil de resolver, pergunto se estariam ali pelo jardim mais algum tempo, que eu tinha um problema e que levaria uns quinze minutos a soluciona-lo. Anuíram e continuaram o passeio matinal.
Tive que esventrar a caixa, mas resolvi a coisa! Percalços que se transpõem conhecendo bem o equipamento. E imprimi a imagem, ficando à espera que retornassem.
Passada uma meia hora, eis que o pai regressa com a pequenita. Em troca da fotografia, oferece-me ela estas duas flores que trazia escondidas.
Fiquei sem fala, mas com a minha câmara muito mais bonita e valiosa. E há quem diga que este negócio não rende!

Texto e imagem: by me

Culturas


Não eram particularmente bonitas. Pelo menos pelos nossos padrões Lusos. Mas também não eram feias. Nem pelos nossos padrões nem, suponho, pelos delas.
Irmanadas nos seus metro e sessenta, mais ou menos, diferiam nos volumes, sendo que uma era bem seca de carnes, enquanto que a outra era rechonchuda, sem ser gorda no entanto.
Partilhavam também as roupas modestas, os cabelos longos em trança numa e apanhados na outra, a carteira dependurada a tira-colo e os pensos-rápidos, os Borda d’Água e os calendários, que iam vendendo a quem encontravam no seu périplo pela cidade.
Ninguém duvidaria que se tratavam de duas Romani, ciganas vindas da Roménia.
Uma delas já eu tinha visto por ali, com a curiosidade dos seus vinte anitos e de quem vagueia sem rumo certo. Já tinha parado para ver o que ali acontecia, mas a sua timidez, bem manifesta no seu sorriso nervoso, sempre a arredara da frente da objectiva.
A outra, a mais gordita, ainda não a havia visto. Comunicativa e com um sorriso franco e cativante, logo identificou a sua conterrânea que tenho no expositor. E ainda que tenha tentado convencer a amiga em a acompanhar na experiência fotográfica, acabou por a fazer sozinha. Os pensos e o Borda d’Água ficaram de fora, mas o calendário fez questão de exibir para a posteridade. Talvez por ter a imagem da Senhora de Fátima com os pastorinhos.
Conversa feita, fotografia entregue, risos tidos, pedido de uma segunda, como não poderia deixar de ser, partiram para outras paragens por ali, em busca de alguém que quisesse o seu negócio.
O que me deixou mesmo espantado foi o fecho do episódio.
Antes de se afastar, a retratada quis-me cumprimentar e esticou-me a mão para um quase viril aperto de mão. Que retribui sem mais. E a amiga, que já tinha dado uns passos, voltou atrás para cumprir este ritual que em nada consta das tradições de origem. Que ao que sei, que fui saber para confirmar, por lá e nesta comunidade, contactos físicos entre Romani e não Romani são raros em havendo diferença de género. Mais ainda, se um homem da família não estiver presente.
O que me deixou mesmo boquiaberto foi o seu remate de saudação: levantado a mão, levou-me àquela palmada amigável de palma com palma. Sinal de código de grupo juvenil, em nada relacionado com as suas origens e menos ainda com as nossas diferenças de idade.Foi toque de cumplicidade, um agradecimento personalizado de alguém que pouco ou nada tem para dar em troca do recebido. E foi também um misturar de culturas, um mostrar conhecer os hábitos locais, ainda que não os certos.
Esta aculturação, e facto de o ter feito, fez com esta fotografia feita no Jardim da Estrela fosse das mais bem pagas que ali tive.
Senti-me honrado com a deferência!

Texto e imagem: by me

Detalhes


O homem identificou-me pelo nome. Pelo menos por metade dele, que me sabia o apelido. E, enquanto trocávamos umas frases sobre a origem deste conhecimento, o filho continuava por ali a circular na sua pequena bicicleta.
Por mim, admito, não me recordava dele, já que não é fácil fixar uma cara que vai a conduzir um táxi chamado de noite, quando vamos sentados no banco de trás. Mas ele não esquecia a barba, o chapéu, a circunstância em que me tinha conduzido… umas três semanas antes.
Por fim, lá conseguiu convencer o filhote a fazer-se fotografar, bicla e capacete incluídos. E quando, depois de impressa, a foto estava a ser analisada pelo pai babado, disse:

“Nem sabe como esta fotografia vai ser importante. Ele esteve de férias, na terra, durante um mês, voltou hoje e a mãe ainda não o viu. E enquanto esteve com os avós, caíram-lhe os dois dentes da frente. É a primeira fotografia que ele tem assim, com aqueles dois buraquinhos ali na frente da boca.”

Se a fotografia é para mais tarde recordar, espero que os corantes jorrados sobre papel durem tanto quanto as memórias.
É que o primeiro dente que cai é um marco na vida. Do próprio e dos pais.

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Não foi difícil de convencer, que queria mesmo fazer a fotografia.
Na verdade, o difícil foi fazê-lo aceitar as condições do negócio. Dizia ele que nada na vida é grátis, que tudo é por dinheiro e que o custo zero não existe.
Quando lhe disse que assim não era, que o ver aqueles periquitos que por ali vão passando, que o sentir o ameno da tarde estival, que o ouvir a criançada a rir lá no parque infantil era bom e era de borla, achou graça mas não ficou convencido.
E quando lhe contei que naquele negócio o lucro das partes era discutível, já que ele levaria a fotografia mas que eu ficaria com o seu sorriso e que, ponderadas as coisas, não saberia dizer quem ficava a ganhar, riu-se um pouco mais, chamou-me de “poeta” e ficou convencido.
Quando preenchia o formulário entendi todas as suas reticências: Profissão Economista!A sua imagem? Tenho-a mas não a publico. Que a privacidade é um direito e um bem e esse ele não negoceia!

Texto e imagem: by me

Doeu


Estou ligado à imagem (fotográfica, cinematográfica ou videográfica, foto-química, electrónica ou digital) desde que me conheço!
Tive a minha primeira câmara fotográfica aos 12 anos (e ainda a tenho) e usei uma câmara de cinema pela primeira vez aos 16 anos (ainda tenho a câmara, a moviola e a coladeira). O vídeo foi aos 19 anos, em termos profissionais e ainda trabalho na mesma empresa.
São assim muitos milhares de milhões de biliões de imagens que tenho feito ao longo da minha existência (em fotografia serão apenas umas centenas de milhar).
Das que fiz em suporte fotográfico ou cinematográfico, guardo-as a todas. Ainda que a esmagadora maioria não tenha sido vista por outros olhos que não os meus. Senão o resultado final, o positivo impresso, pelo menos os originais, aquele pedaço de película que recebeu a luz no interior da câmara.
Não se trata de uma mania ou de um fetiche. Apenas entendo que cada uma delas, num dado momento, teve muita importância na minha vida e que, como tal, a devo guardar. Por muito má que técnica ou esteticamente possa ser. E muitas são-no!
Guardo-as todas, menos uma! Uma que fiz, que materializei em papel e que, logo de seguida, rasguei. E que, horas depois, destruí definitivamente, apagando o original digital. Irrecuperável, seja de que forma for.
Doeu! Garanto que doeu!

Estava eu na minha actividade de fotógrafo de jardim. Câmara montada, saco encostado ao tripé e eu, deambulando em redor, olhando os passantes.
Destes, junta-se a mim um casal, dos seus cinquentas, acompanhados por uma criança pequena num carrinho, que dormiu o tempo todo, felizmente.
Olharam de um lado e do outro e perguntaram-me quanto custava a fotografia. Perante a minha resposta do costume, que era grátis, pediram para fazer uma. E lá se puseram onde lhes sugeri, assumindo a pose que entenderam.
Depois de feito o registo original, e enquanto o resto da técnica funcionava, continuei com a conversa habitual, que aquilo levava algum tempo, que mais logo à noite estaria na Internet (tenho essa informação exposta do dois lados da câmara) e que gostaria, entretanto, que me respondessem a duas ou três perguntas muito simples.
Aqui a coisa complicou-se a sério!
Que eu deveria ter dito logo que era para a net, para que raio queria eu as respostas, que andava a fazer as coisas às escondidas, que não autorizavam as fotos na net nem respondiam às perguntas…
E o seu tom de voz foi assumindo proporções que começaram a fazer-me sair do sério. Apesar de toda a afabilidade e bonomia que faço questão de ter aqui. Mas consegui manter as estribeiras, não correspondendo ao vocabulário por eles empregue.
Terminou a situação com o rasgar ali mesmo em frente deles da imagem entretanto impressa. E com o compromisso, sempre por mim assumido, de não publicar a imagem, entretanto captada, contra a vontade deles. Ficaram eles com o meu cartão para que o pudessem ir verificar, se o entendessem!
Nos dez minutos que se seguiram, o meu deambular em torno da câmara não foi o de quem espera um “cliente” mas antes o de um tigre enjaulado, tentando recuperar o bom humor que quase me tinham feito perder.
Mas o resto da tarde acabou por correr admiravelmente bem, quase esquecendo eu o episódio.

Mas à noite, ao processar as imagens recolhidas, dei de novo com a que deles tinha feito. Ainda hesitei um pouco. Sim ou não? Acabou por ser sim e apaguei-a. Não tinha assumido tal compromisso, mas apaguei-a! Definitivamente!
Dos arquivos digitais, que dos neurónios nunca sairá. Esta será, na minha já longa carreira, uma imagem única. Porque a destruí eu mesmo, deliberadamente. Poderia não o ter feito, até porque a sua ignorância nestes processos é tal que nem souberam exigi-lo. Mas a minha raiva contra estes dois “marretas” foi tal – é tal – que me recuso a que conspurquem os meus arquivos de imagem!
Mas que me doeu premir a tecla “delete” do teclado, lá isso doeu mesmo!


Texto e imagem: by me

Domingo no parque


E eu? Estava a gostar?
Tenho que admitir que, auditivamente, nem por isso. A música, para mim, tem que ter em doses equilibradas ritmo, melodia a harmonia para que me convença. E não era o caso. E se na categoria de jazz cabem muitos tipos e estilos de música e intérpretes, estes não eram do meu agrado.
Mas já me agradava francamente ver toda aquela gente, espalhada neste e noutros relvados em torno do coreto, recostada aos muitos puffs liberalmente dispersos, ou gozando da frescura da relva em contraste com o cálido da tarde estival, a ouvirem e a gostarem.
Pelo menos alguns, que o manifestavam com aplausos no final de cada tema. Porque outros se entretinham a ler, ou a ver por onde andava a prole de bicla ou patins, ou vendo os mais pequenitos a deliciarem-se com a relva nos pezitos descalços, ou indo aproveitar as ofertas de promoção da beberagem.
Porque estes concertos de jazz em tarde de verão acontecerão todos os domingos de Setembro no Jardim da Estrela, pelas 17 horas. São o fim da época estival de promoção de uma marca de bebidas de água com sabores que foram animando alguns dos jardins emblemáticos da capital.
Da bebida não gostei, deste grupo também não. Mas se das águas apaladadas não repetirei, o mesmo não posso dizer dos concertos. Juntar música ao vivo com aquela plateia bonita de se ver com o agradável de um jardim de verão e com a fotografia…
Que melhor domingo pode um fotógrafo desejar?

Texto e imagem: by me

É p'ró menino e p'rá menina!


“Olha! Esta fotografia foi tirada em Sintra! E esta aqui no jardim. E esta também, lá do outro lado!”
“Ora então se sabe estas, talvez me saiba dizer onde foram feitas as outras, do outro lado da câmara.”
“Fácil! Então esta foi em Belém e estas foram aqui!”
“Boa! Pois por ter acertado em todas tem direito, completamente grátis, a fazer e levar uma fotografia feita aqui mesmo e agora!”
“Então e se não tivesse acertado?”
“Também fazia, e também de borla. Mas isso é outra conversa.”

Com estas e outras larachas, entre algumas risadas e outras conversas sérias, tive a tarde bem ocupada a fotografar.
O jardim estava cheio por via do concerto promovido por umas bebidas ditas “refrescantes”. Não gosto delas, mas a música sabe bem e ver a relva e os bancos assim compostinhos, com gente de todas as idades e estratos sociais, é uma alegria.
À conta da banca que montaram para ofertar as garrafinhas e que atrai uma multidão famélica de borlas e brindes, tive que improvisar e optar por outro poiso. E aquele que uso como alternativa estava ocupado com viaturas da produção do evento, pelo que tive mesmo que escolher outro local. Optei por uma meia distancia, entre a multidão e o quiosque-esplanada, onde agora vou tomando o meu cafezinho da ordem (bem bom, por sinal!)
Pois quando cheguei do almoço, perto desta nova localização, estava este “palhaço”, a tentar fazer pela vida. O seu negócio era vender estes balões de feitios. E, apesar do seu traje, o limitado do seu artesanato não aumentava com o seu sotaque de terras de vera cruz.
Mas como já lá estava aquando da minha chegada e a nossa proximidade seria alguma, fui ter com ele para lhe perguntar se não se importaria que montasse a minha banca por perto. É que, ainda que com negócios e clientela diferentes, acabaríamos por fazer alguma concorrência recíproca. Por mim, não me importava, mas ele estava a ganhar a vida.
Pois não levantou obstáculos, que em sendo um “sem licença”, tal como eu, ser-lhe-ia difícil de o fazer. E ainda acabou por me pedir, caso me fosse possível, o fazer-lhe umas fotos dele em acção, para um eventual portfolio que queria fazer.
Mas eu mesmo estive por demais ocupado para poder fazer muito mais que isto. E que a luz também não ajudava, que os “contra-luz”, em reportagem, implicam um cuidado que não pude ter.
Aliás, estive tão ocupado que, perante o calor que se fazia sentir, fui salvo por um velho conhecido ali do jardim, que me levou uma daquelas garrafinhas plásticas. Gostasse ou não, líquidos são líquidos e eu estava sedento. E, antes de se afastar, ainda me soube dizer:

“Com essas barbas, estás cada vez mais oldfashion!”

Bem, eu uso a pelagem, o colete e a barriga, este aqui usa a maquiagem, o colorido e o sotaque. E se ele cobra umas moedas, eu cobro um sorriso.
Em qualquer dos casos, tanto no negócio dele como no meu,

“É p’ró menino e p’rá menina, dos 8 aos 80, bem medidos para um lado e para o outro”.

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Felicidade


O ser humano precisa de se afirmar no grupo a que pertence. Pelo que é e pelo que faz.
E um retrato, um registo para a posteridade, feito formalmente ou em tom de brincadeira, é uma forma de afirmação, objecto de observação e critica cerrada por parte do retratado.

Curioso é de observar que se manifesta ou critica sobre o que é ou o que faz expresso em retrato. E são dois grupos, manifestamente distintos. A fronteira fica algures na casa dos quarentas anos de idade, nuns casos mais acima, noutros mais abaixo.
No grupo dos mais novos, o que é observado e/ou criticado é aquilo que faz.
As poses, as expressões, as posições corporais, os relacionamentos com outros retratados.O eventual – ou frequente – desagrado não se manifesta sob a forma de “não gosto” ou “fiquei mal”, mas antes pela ironia, pelos comentários jocosos, pela auto-critica. Frequentemente, com o menosprezo da sua própria aparência e uma crítica acutilante sobre os demais no grupo retratado.
Para estes, o que é importante num retrato não é o que são mas antes o que fazem e como o fazem.
Por seu lado, os pertencentes ao grupo mais velho preocupam-se francamente mais com o que são ou aparentam ser.
As manifestações de idade constatáveis pelo peso ou volume, pela posição do esqueleto, pela cor da pelagem ou pelas rugas são os factores que mais procuram ver num retrato, numa tentativa inútil de constatar que não parecem ser o que são. Que os olhos dos outros não vejam aquilo que sabem ser.

Estou em crer que a felicidade passa por uma são convivência com o “Eu” físico, tentando melhora-lo se se o entender, mas não o negando ou repudiando.
E, acima de tudo, não ligando a mínima à opinião que os outros possam ter sobre si mesmo. Ao vivo ou no papel.

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Ginástica de luz


Sabemos, com a certeza que a ciência nos dá e a prática nos ensina, que fotografar é registar a luz.
A que é emitida ou reflectida dos objectos e que, passando por um qualquer sistema que a canaliza e organiza, vai modificar, transformar ou deformar um pedaço de matéria. Cabe ao fotógrafo rectangularizar a luz e permanentalizar essa modificação.
Isto é fotografia na sua essência. Todas as outras considerações sobre estética, ética e técnica são argumentos por vezes fúteis ou inúteis sobre esta verdade factual.
Podemos pensar em significados e significantes, mensagens e interpretações, se o retrato transmite a alma do retratado ou se a perspectiva é bonita. Mas sem luz, a nossa matéria-prima, nada aconteceria!
É ela que modela os nossos assuntos, que pinta o nosso rectângulo (um dia fotografarei em formato triangular!), que atrai as nossas atenções e nos mostra o que nos cerca. E quando ela lá não está como a queremos, ou quando queremos ou quanto queremos, usamos toda uma parafernália de equipamento para que esteja. Reflectindo ou projectando, continuamente ou por breves instantes, com instrumentos minúsculos ou com camiões e cordões umbilicais atrás.
Quando em exteriores, dependemos as mais das vezes do sol e das sombras naturais. Os contrastes são de mais complexo controlo e não raramente olhamos para um dado assunto, subjectivamente interessante, e dizemos: “Isto até tem graça e é bonito, mas com esta luz não!” E registamos um eventual regresso ao local em condições mais propícias.

Um exercício de imaginação e de capacidade (ou incapacidade) de resolver problemas relacionados com a luz é passar um dia plantado no mesmo local, fotografando.
Com árvores próximas e afastadas, provocando sol e sombra nos assuntos próximos e distantes. E, se a mãe natureza ajudar ao exercício, que o céu esteja ora coberto, ora descoberto, fazendo variar os contrastes de luz com frequência.
Para dificultar o exercício, tenham-se ideias definidas sobre semiótica, estética, perspectiva e mensagem. E recuse-se o recurso a luzes artificiais.
Garanto-vos: o maldito do movimento de rotação do planeta deita por terra as melhores intenções, obrigando a ginásticas mentais e práticas para encontrar equilíbrio entre todos os factores.
E, muitas vezes, ficamo-nos pelas eliminatórias!

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Histórias de uma fotografia


A história aconteceu a vários tempos.

Conhecemo-nos no Jardim da Estrela, num domingo em que a Banda da Carris actuou. Durante o concerto, estava a câmara “Oldfashion” encostada, que o espaço era reduzido e as atenções mais para a música que para ela. Eu ia fotografando com a DSLR, a curta distância que as precauções assim o impunham. Mas, a dado passo, um homem acercou-se.
Ex-marinheiro da Armada, recordava ter feito uma fotografia com uma câmara destas, no Terreiro do Paço, e que o fotógrafo tinha feito uma montagem desta com a da sua noiva. Há quase cinquenta anos. E que a esposa ainda a tinha a carteira.
Confesso que não resisti, engoli a vergonha e pedi para a ver. Foi ter com a esposa, que estava a uns metros de distância com amigos e regressou com a foto. Uma 9x12, dobradinha e quatro, faltando já prata nas zonas dos vincos, mas as caras ainda se viam, bem como o tom rosado da aguarelada dada às flores em redor.
A dona e retratada, à distância que aquela era uma conversa de homens, mantinha uma vigilância feroz sobre o seu tesoiro, não fosse algo acontecer-lhe.

Algum tempo depois, duas semanas mas não garanto, eis que o casal se cruza comigo de novo. Conversa vai, conversa vem, e perdendo toda a vergonha que ainda me pudesse restar, tenho o topete de lhes perguntar se poderia fotografar aquela antiguidade. Aquela fotografia com história. E que me comprometia a retoca-la, na medida do possível, eliminando os vincos e recompondo os pedaços em falta. E que lhes daria uma cópia impressa disso.
Não sei se pela lisonja de saberem a fotografia importante, se pela cobiça de a terem retocada, acederam e eu fotografei-a com a 6Mpixel.
Já em casa, e em tendo tempo, dediquei-lhe a minha melhor atenção. A empresa era mais complicada do que eu tinha suposto, que havia que inventar muito, mas lá fui dando conta do recado. Imprimi-a e coloquei-a junto com os “pertences” do “oldfashion”, que só assim os voltaria a encontrar, no jardim da Estrela.

O tempo foi passando e as férias de verão e a minha falta de disponibilidade para lá ir regularmente fizeram com que passassem mais de dois meses sem que nos cruzássemos.Quando, há coisa de semana e meia, os vi aproximar, a relação do casal era a do costume: ele a marchar à frente, ela arrastando-se atrás uns metros.
Veio ele direito a mim, com um sorriso equivalente ao que eu mesmo exibia e, após as cortesias habituais, entreguei-lhe a fotografia. O seu sorriso alargou-se ainda mais, agradeceu-me e afastou-se em direcção à esposa. E seguiram os dois, mais um casal que os acompanhava.
Um pouco depois, voltaram ambos pelo mesmo caminho e ele, desviando um pouco o rumo, disse-me que a mulher tinha gostado muito e que estava a pensar em coloca-la numa moldura a comprar. E afastaram-se.
Durante todas estas conversas, nunca consegui ouvir a voz da senhora e o mais que vi para além do olhar vigilante quando eu tinha a foto em meu poder, foi um sorriso tímido depois de ter recebido a cópia.

Hoje, a meio da tarde, cruza-se comigo uma senhora de idade. Uma daquelas que costuma frequentar o jardim, reformada que está, e com quem vou conversando quando calha.
Cumprimentámo-nos e, em tendo andado uns dez metros, volta para trás e interpela-me.Diz-me que já tinha visto a fotografia, que estava na salinha do casal, dentro de uma moldura de madeira comprada para o efeito. Que estava muito bonita e que a dona me agradecia muito pelo trabalho.

Tenho pena que a personalidade omnipresente e omnipotente de um sargento da marinha na reforma tenha eclipsado a possibilidade de a esposa fazer um agradecimento pessoalmente.
Mas o recado foi dado e a minha satisfação em a saber contente chega-me!Quem sabe que histórias e estórias esta foto, sacralmente guardada por cinquenta anos numa carteira e agora à luz do dia, tem para contar?

Texto e imagem: by me

Homenagem


Esta é uma foto montagem. Olhando com atenção, constatam-se as discrepâncias de perspectiva, ainda que tenha tentado evita-las.
Mas serve esta imagem como homenagem a todos os canídeos que frequentam o Jardim da Estrela, à trela, soltos pelos donos ou mesmo por eles abandonados. Dos de bolso aos Grande Danois, há de tudo e quase todos, em passando por mim, vêem cheirar. Alguns aceitam uma festa, outros são afastados pelos que os prendem, não sei com receio por mim, pelo cão ou pelo tripé.
Também não sei se algum gostaria de ser fotografado, que nenhum mo pediu. As que fiz foram sempre a pedido e para gáudio dos seus donos e para enfado dos canitos.
Em qualquer dos casos, esta é uma homenagem a alguns dos utentes deste espaço.

Texto e imagem: by me

I got my camera


Difícil mesmo é fazer com que as pessoas entendam que há coisas na vida que se fazem pelo prazer de as fazer. Tão só e apenas pelo prazer!
Que todo o resto que lhe possa estar associado pode ser secundário. E que não tem que ser, obrigatoriamente, por dinheiro.
No Jardim da Estrela perguntam-me porque ofereço as fotografias.
Encenando um pouco, acabo por dizer que se trata de um estudo sobre fotografia e, se insistirem muito, atiro-lhes com um ou dois nomes pomposos, acabados em –gia. E acrescento que não vivo daquilo, quando não já teria morrido de fome.
Houve mesmo quem me perguntasse em que universidade estava a fazer o mestrado ou doutoramento, para ali estar, assim, a fazer aquilo para estudar.
Há quem não entenda que o “saber” pode ser um prazer e que a aprendizagem também. E que se juntarmos a isso um outro prazer, no caso a fotografia, então as coisas acontecem pelo prazer, tão só e apenas pelo prazer.

I got life, mother
I got laughs, sister
I got freedom, brother
I got good times, man

I got crazy ways, daughter
I got million-dollar charm, cousin
I got headaches and toothaches
And bad times too
Like you

I got my hair
I got my head
I got my brains
I got my ears
I got my eyes
I got my nose
I got my mouth
I got my teeth
I got my tongue
I got my chin
I got my neck
I got my tits
I got my heart
I got my soul
I got my back
I got my ass
I got my arms
I got my hands
I got my fingers
Got my legs
I got my feet
I got my toes
I got my liver
Got my blood

I got my guts (I got my guts)
I got my muscles (muscles)
I got life (life)
Life (life)
Life (life)
LIFE!

Poema: "I got life" in “Hair”
Texto e imagem: by me

Inna e Roma


Os sentimentos, ainda que genuínos, podem ser reforçados com estímulos externos.
Sabendo isto, da teoria e da prática, crio uma pequena expectativa antes de entregar a fotografia já impressa.
Depois de a retirar da “caixa-mágica”, olho-a por vezes de relance, outras com fingida atenção e, mantendo-a virada para mim e encostada ao peito, lanço uma frase para os que estão ansiosos por a ver. Uma delas é (e não posso aqui revelar todos os meus trunfos) “Se não gostar não leva!” Um pouco na linha que certas lojas e produtos usam: “Satisfação total ou devolução do dinheiro”.
Neste caso, o riso meio da graça, meio do nervoso, manifesta-se e, acto contínuo, entrego a fotografia.
Sendo que parte das pessoas esperam uma partida ou equivalente, outros contam com algo de muito má qualidade e outros ainda têm uma péssima opinião sobre si mesmos, a surpresa é em regra agradável, apesar de algumas não serem lá grande coisa como fotografias.
Mas também há quem não goste. E o diga! As mais das vezes, pouco ou nada referente à qualidade da imagem ou da impressão, mas antes referente à pose ou expressão facial. Ou, como não poderia deixar de ser, em relação ao peso, nuns casos que parecem ter muito, noutros o contrário.
Este casal, que reagiu de forma típica durante todo o processo que antecedeu a entrega da fotografia, não gostou. Uma destas pessoas não gostou da sua pose mas, como em 100% dos casos, quis levar a fotografia, sim senhor!
Mas eu é que não gostei do desagrado que ali vi! E como até eram particularmente divertidos e bem-dispostos, mandei as rotinas às urtigas e fiz uma segunda, com a DSLR. Como gosto de fazer, jogando com contra-luz natural e luz frontal difusa.
A opinião mudou por completo e a alegria de terem esta segunda compensou o desgosto face à primeira.
E porque o prometi, aqui fica, ainda que noutro espaço que não o “Oldfashion”. Mas, mesmo que não o tivesse prometido, e desde que não mo interditassem, aqui a poria. Porque também eu gosto dela, pese embora a ausência de sorriso que assumiram, e de que eu tanto estava a gostar.

Texto e imagem: by me

Isco, disse ele!


O regresso, após quase dois meses de pausa, até que nem estava a correr mal. As coincidências entre dias de tempo desagradável e dias de folga mantiveram-me afastado do meu projecto “Oldfashion”, o que já me estava a fazer falta.
A dado passo não resisti e, após fazer um retrato habitual e sob pedido, propus uma extra, desta feita com a Pentax. Aquele olhar não me poderia “escapar”!
Enquanto ela sorria e não, mostrando como me tinha afirmado olhares diferentes, não me apercebi da chegada daquele mirone, mais um de entre vários ao longo do dia.
Foi quando elas se afastaram que ouvi a afirmação:
“Então você usa isto como isco para as apanhar!”
Um metro e sessenta e cinco de homem, que vim a saber com mais de setenta anos, meio careca e de óculos discretos, roupa de boa qualidade e corte, com um pequeno emblema da fundação portuguesa de cardiologia na lapela. O seu olhar alternava entre o artefacto e eu mesmo, enquanto o saudava, guardava a SLR e lhe prestava a atenção merecida.
“Onde está o caldeiro com a água? Isto é mesmo só faz-de-conta, não é?”
Começando aqui, a conversa durou mais de uma hora. Fotógrafo de ofício desde muito novo, tinha estado ligado ao exército, às reportagens de eventos sociais e desportivos, periódicos, teatro tal como eu mesmo e organizações governamentais.
Aquilo que foi contando e os equipamentos e métodos que foi descrevendo não davam azo a duvidar da veracidade do que ia enumerando. E o orgulho com que mostrou o livre-trânsito para cerimónias oficiais ligadas à presidência portuguesa da união europeia também não.
Afastou-se quando mais um curioso quis ser fotografado, enquanto que ele mesmo não o quis ser.
Mas duas coisas eu asseguro:
À uma que eu daria bom dinheiro para ter acesso ao seu arquivo fotográfico, em múltiplos formatos e suportes, retratos de situações, gentes e diplomatas nacionais e estrangeiras, registados aqui e ali, em Belém, nas Necessidades, em Queluz…
À outra, juro e garanto que o meu artefacto não é isco nenhum! Funciona mesmo, eu é que não resisto a uns olhos bonitos!

Texto e imagem: by me

Janelas fotográficas


Para nós, ocidentais, membros integrados da sociedade da imagem e fotógrafos, a fotografia damo-la de barato.
Quer seja a ver quer seja a fazer, a fotografia faz parte das nossas vidas e mais ou menos um carregar no botão é um acto banal. Tal como é banal lidarmos com fotografias, nos media, nos álbuns, nos computadores. Seja de coisas e lugares desconhecidos, de recordações de gentes e locais, de nós mesmos. Haverá mesmo, como me foi confessado em conversa informal, quem as rasgue por não gostar do que si nelas via. Aquela memória não a queria!
Mas, as mais das vezes, não nos apercebemos que a fotografia não é universal, nem geográfica, nem culturalmente e, importante da mesma forma, nem economicamente.

Eles eram dois.
Com um ar sujo e um olhar acossado, que lhes dava uma maturidade que em nada correspondia à sua juventude de 16 e 15 anos. A nossa comunicação foi francamente difícil, que de Búlgaro nada sei e eles de português menos que nada. No final, acabámos por falar em inglês, que o de um deles ainda dava para tal, ainda que igualmente muito fraco.
Pois quando souberam que as fotografias eram grátis – palavra quase universal – não resistiram e quiseram fazer. Questionados sobre se queriam uma dos dois ou duas individuais, optaram pelas segundas, que sempre seriam duas fotos que levariam.
Depois de as fazermos, de as receberem e de preenchido o inquérito, conversaram um pouco entre eles e quiseram fazer outra, agora em conjunto. Disse-lhes que não, que grátis seria apenas uma e que as seguintes seriam pagas. Á falta de dinheiro, recorreram a argumentos, alguns engenhosos e cm o recurso à ajuda divina, mas fiquei na minha. É assim que funciono e as excepções têm que ser muito bem justificadas, o que não era o caso.
E afastaram-se ali para o lado, para a relva, com os seus odores bem fortes, com os seus sacos maltrapilhos e os seus sorrisos de meninos-homens.
Passado um pouco, e porque havia pouca gente pelo jardim, reparo neles de novo. Deitados na relva, de barriga para o ar e a cabaça assente na bagagem, entretinham-se a observar as fotografias recém feitas. Mais de perto, mais de longe, vendo, apontando e mostrando ao companheiro os detalhes, deles mesmos ou da paisagem.
Pela forma como as viam e como, mais tarde, as guardaram nos sacos informes, aquelas fotografias eram quase como que um tesoiro, imprevisto e precioso. E quando, mais tarde ainda, e depois de terem ali dormido a sesta, um à vez por segurança, a forma como passaram por mim ao partirem e se despediram apenas reforçou a minha certeza: a importância daqueles papeis coloridos que levavam nos sacos. Junto com a sujidade, a evidente fome e aqueles olhares – imberbes - que os colocam numa vivência que desconhecemos de perto. Nós, que lidamos como a fotografia como eles com restos e moedas de cêntimo.

Esta imagem que vos mostro foi feita quando eles repousavam na relva, vendo as fotografias. Aperceberam-se do retirar da DSLR do saco e do apontar a 400mm e, sem hesitar, “fizeram-se à fotografia”. Não era esta que eu queria fazer, que preferia tê-los a ver as fotos.
Mas talvez assim seja melhor. Para estes sem abrigo certo a menos de uns milhares de quilómetros, a descontracção na relva e o respectivo registo seria uma invasão da sua privacidade, que não têm. E vieram espreitar a uma janela inexistente, da sua casa sem paredes, para ficarem na janela do meu enquadramento burguês.
E, como costumo dizer em tom de brincadeira mas cada vez mais a sério, não sei quem, neste negócio de fotografias grátis, fica a ganhar: Se quem as leva se quem as faz.

Texto e imagem: by me

Logo eu!


Logo eu, que sempre fugi das BBC’S (Bodas, Baptizados e Casamentos), havia de me tocar uma destas!

Aquando da minha chegada ao local habitual, havia movimento desusado por lá. Talvez uma vintena de pessoas, de variadas idades, iam-se juntando e circulando por ali, mais ou menos onde costumo assentar arraiais. Vestidos com trajes mais ou menos formais – decotes acentuados, rendas, saias curtas, malinhas minúsculas e sapatinhos reduzidos e de salto, fatos escuros, camisas brancas, gravatas), havia-os para todos os gostos. E se, inicialmente, estavam agrupados, cedo se afastaram uns dos outros, em busca da sombra.
As criança, essas, estavam munidas dessas caixas pré-feitas de bolhas de sabão, generosamente distribuídas pelos adultos e com as quais se iam entretendo, enquanto o que quer que fosse não começava.
Mas patusco mesmo foi o constatar que havia quase tantas câmaras fotográficas, de todos os estilos e orçamentos, quantos os maiores de 14 anos. Porque mesmo os e as adolescentes se iam entretendo a dar ao dedo.

A minha chegada veio produzir algum sururu no meio deles. Aspecto estranho, artefacto insólito e indumentária desadequada. Lá consegui montar a tralha onde queria e apontada para onde queria, ou seja, para onde um dos grupos se tinha refugiado na sombra. Pouco depois, apercebi-me que iam perguntando uns aos outros quem me teria chamado para a função. Mas perguntas ao interessado – eu - é que nada!
Ao fim de um pedaço, lá me apercebi do que se tratava: Lá ao fundo, no portão e sendo a última a chegar como manda a tradição, vinha a noiva. Vestida de branco, com um belo de um ramo de flores (detalhe: vinha atado com uma corda, num nó interessante e de bonito efeito), lá subiu as escadas do coreto, para onde entretanto tinham passado todos os outros.
Apesar de irem passando por ali outros que não da festa, “rapei” da Pentax e fiz os bonecos que me apeteceram. Nada de “penetra”, que a festa não era minha, mas aquilo visto de cá de baixo até tinha a sua graça.
Acabada a função, depois da funcionária do registo se ter afastado em passo rápido e com um belo de um sorriso estampado na cara, postas ao vento as bolhinhas de sabão, o arroz atirado e as fotos feitas, uma das convivas mais atrevidas veio ter comigo.
Provavelmente informada por um outro que já tinha metido conversa, veio saber se eu estaria na disposição de fazer uma fotografia dos noivos. Logo eu, que não me meto nas BBC’s!
Mas claro que sim, para prazer deles e meu!
O artefacto deu barraca (muito uso e falta de afinação) e tive que pedir para a repetir mas sempre acabei por fazer uma fotografia clássica de casamento, daquelas que noivos e convidados gostam.
Dos detalhes de como se conheceram, do que fazem ou fizeram na vida, do porquê da cerimónia ali e de como dali seguiram para o copo-de-água, guardo isso para mim. Ou talvez para outro post.
Para já, vivam os noivos!

Texto e imagem: by me

Luzes e retratos


Aquele casal não ficou lá muito satisfeito com a fotografia. Pelo menos ela.
Vinda do outro lado da Europa, o companheiro luso perfeito e o pimpolho, pelo nome, pela idade e pela fluência da língua dela, nascido por cá.
Devo confessar que eu mesmo não estava lá muito satisfeito também, que a luz mudava rapidamente, pelo rodar dos ponteiros e pelo chegar de nuvens.
Mas o olhar triste com que ficaram com o plano inteiro da praxe, com o rebento nos braços e a árvore em fundo, foi de me quebrar o coração e não resisti.
Derrubando as regras (que existem para serem derrubadas), saquei da reflex do saco e fiz um próximo bem aconchegado aos três, com a luz mais “à maneira”. Isto mesmo em frente à audiência, que assim iria descobrir o “segredo” da impressão, já que teria que tirar o cartão desta para o colocar lá dentro, na caixa de madeira. Mas os que estavam em redor já eram conhecidos e já sabiam o que por ali acontece.
Entregue a fotografia, a satisfação do retrato patente nos seus olhos e a forma como estes dançavam entre a criança no papel e a criança nos braços, alegrou-me a tarde e, pudesse eu, mandaria passear as nuvens.
Pelo menos nos corações foram!
Texto e imagem: by me

Magic garden


Agora imaginem:

Estão de pé no meio de um jardim há horas. Deambulam em torno de uma câmara num tripé, fumando cigarros que vão deitando, conscienciosamente, no lixo depois de apagados. Com o olhar, vão analisando quem passa, tentando perceber se vai ou não parar e ter curiosidade. Em caso positivo, vão desenrolando a conversa e fazendo algumas fotografias.
Imaginem ainda que, já pelo fim da tardinha, depois de um bom pedaço sem gente que vos aborde, estão parados. Que a vossos pés pousa um bando de pombos. Que, de súbito, um deles levanta voo e vem pousar numa das vossas mãos. Que atrás dele vem outro, e ainda outro. Imaginem que ficam atónitos com a situação e que esta evolui para mais um pousado no vosso ombro.
Imaginem também que eles levantam voo e outros os substituem, sentindo nos dedos das mãos, esticados agora e na pele dos vossos antebraços, as garras de uma meia dúzia de pombos que, delicadamente, se firmam.
Imaginem mais ainda que, com alguma cautela, três garotos aí com cinco ou seis anos se aproximam, de olhos esbugalhados, e que vos perguntam como é que conseguiram fazer aquilo. E imaginem que não lhes sabem responder outra coisa que não seja pedir-lhes pouco barulho e pouco movimento para não os espantar.

Conseguiram imaginar?
Então conseguiram sentir o que eu mesmo senti hoje, pelas seis e tal da tarde, em pleno Jardim da Estrela.
Garanto que é tudo verdade, excepção feita ao pombo aqui retratado, num outro dia fotografado.
Afinal, com as mãos cheias de pombos, como poderia eu manobrar uma câmara?
Mágico, este Jardim!

Texto e imagem: by me

Mais uma


Assim que cruzaram o portão do jardim e me viram, nem hesitaram.
Aquele casal em finais de 50’s, princípio de 60’s, acercou-se de mim em passo rápido e sorriso brilhante.

“Boas tardes! Nós queríamos que nos fizesse um retrato!”

Nem tinham falado um com outro! Foi assim, em uníssono e de chofre.
Para mim, que tinha iniciado a tarde havia pouco, era um bom prenuncio. Lá lhes expliquei que à noite iria para a Internet, que era de graça…Aqui a coisa complicou-se! A net não atrapalhava, o preço sim.
Quiseram saber porquê, e eu expliquei. E eles afirmaram que continuavam a querer ser fotografados e levar a fotografia, mas que faziam questão em a pagar. Argumento para cá, resposta para lá… Parecia uma discussão num mercado árabe, mas ao contrário: eu a querer oferecer, eles a quererem pagar!
Mas o seu desejo em quererem o retrato mais a sua determinação em o pagar acabou por me convencer.
Depois do “olha o passarinho” e enquanto o processo interno se desenrolava, explicaram-me o porquê:
Desde que se tinham começado a namorar que se faziam fotografar por todos os “à-lá-minuta” que encontraram. Têm-nas todas desde então e revêem-nas de quando em vez com prazer. Esta seria mais uma.

Enquanto se afastavam em direcção à exposição iam ver - segundo me contaram – lamentei não lhes ter perguntado onde e quando tinham feito a primeira.
Mas, afinal, nem sequer é importante. Espero, antes sim, que depois da minha possam e queiram fazer muitas mais.

Texto: by me
Imagem: me, by a friend

Matemática social


“Carrego a merda que os outros fazem!”

Foi assim que ele se descreveu e ao seu ofício. O nome oficial será “Cantoneiro Municipal” e, em tempos, chamávamos-lhes “Almeidas”, ainda que eu não saiba porquê. A abordagem inicial foi a costumeira: Querer saber se num outro dia poderia vir para eu lhe “tirar o retrato”. É a atitude habitual de quem quer saber detalhes mas não tem a coragem de perguntar quanto custa, por não ter dinheiro para o pagar.
Em sabendo-o grátis não o acreditou mas, perante a minha insistência no preço, quis fazer uma. Estou convencido que estaria na disposição de pagar no final, ainda que não soubesse o valor e correndo o risco de ser demasiado para ele. É que o seu espanto e gratidão quando, no fim e depois de a receber, constatou que era mesmo a custo zero, foi sincero. Até a forma de o demonstrar.
Para além das expressões e gestos usados, foi a oferta de um copo de tinto, pago no tasco vizinho de sua casa, nas imediações do pátio onde reside, ali na vizinhança. E a firmeza com que me apertou a mão e, muito estranhamente, a levou aos dois lados da sua cabeça, não me permitem duvidar que, em lá indo, terei um copo à minha espera.

É particularmente curioso constatar que são quem tem proventos mais modestos, quiçá nenhuns, alguns mesmo a “carregar a merda que os outros fazem”, que mais insistem em pagar a fotografia recebida, que mais genuinamente ficam agradecidos por ela e em quem se vê um sorriso mais sincero.
Talvez porque, em regra, a solidariedade é inversamente proporcional ao nível económico!

Texto e imagem: by me

Memória fotográfica


Quando chegaram, vinham a medo.
Deixaram-se ficar de lado, enquanto eu falava com outro casal, cochichando entre si mas sem se aproximarem. Só quando fiquei sozinho se aproximaram.
No inicio da conversa achei um pouco estranho as suas atitudes, que queriam fazer uma fotografia, como era habitual, mas havia algo que não batia certo.
Só quando a conversa se soltou, ainda antes do “Olhó Passarinho!”, é que se abriram:Queriam saber se eu teria duas fotografias e arquivo, feitas há quase um ano. Uma onde entrava ele, outra onde entrava ela. O elemento comum era um amigo de ambos, na altura “namorado” dela, que tinha falecido pouco antes do Natal.
Ali não a tinha, garantidamente, mas em casa por certo que sim. Que não me desfaço de nenhuma fotografia que faço, muito menos das feitas com esta câmara.
E fizeram a foto do costume, de pé no enfiamento da rua, com o banco e o candeeiro em campo.
Quando a receberam, e enquanto eu tomava as notas habituais, bem como as necessárias para encontrar o que me pediam, lamentaram não terem ficado a olhar um para o outro. Fazer outra, com o artefacto, seria quebrar os hábitos, mas nada me impedia de usar a Pentax, que aquele queixume merecia algo de diferente.
O conjunto de fotos já ali está, guardado onde não me esquecerei de levar entregar quando os vir de novo. Com uma impressão extra, esta, afixada ali no painel, que a história merece um realce especial.
E quem era ele? Fica na minha memória e arquivo, bem como na deles, que se estimam ou algo mais.
Desejo apenas que, daqui por um ano, um deles não me venha pedir a fotografia do outro!

Texto e imagem: by me

Não é publicidade


Repito:
Isto não é publicidade!
Trata-se apenas da forma que uma família numerosa encontrou de, sem ofender susceptibilidades nem quebrar compromissos, pagar por uma fotografia, uns dedos de conversa e umas risadas!
Considero-me extraordinariamente bem pago!

Texto e imagem: by me
Chocolate: by them

Névoas


São dois.
Batem regular e apressadamente a zona, jardim incluído. O seu olhar rápido de predador ou de acossado analisa os presentes e, destes, quais os potenciais clientes.
Um deles, o mais baixo, é quem transporta os pequenos pedaços de lousa que esculpe com uma simples chave de fendas e cuja venda promove junto de quem por ali está.
O outro, o mais alto, acompanha-o de perto e com a mesma velocidade no périplo, mas mantém-se afastado e vigilante aquando da conversa para vendas. E, tanto quanto me foi dado a observar, faz a barba uma vez por semana.
A mesma frequência com que, ao que parece à distância, mudam de roupa e tomam banho. Já entraram na casa dos 50’s há algum tempo e, pelo aspecto, actividade, olhares e frenesim de gestos e tiques, parecem ser toxicodependentes de longa data.
Nunca meteram conversa comigo. Afinal, a minha presença ali regular e daquela forma não me torna num potencial cliente mas antes num eventual concorrente de negócio. Até um dia destes.

O mais baixo passou por mim, sozinho, e meteu conversa. Admirou a câmara e quis saber que “lente” eu usava, distâncias focais e aberturas. Enquanto tentava encontrar as respostas, olhando e espreitando por ela, sempre me foi dizendo que em tempos tinha andado no ramo, como fotógrafo de reportagem e subaquático, ali para os lados de Peniche.
Conversa vai, conversa vem, e em sabendo o preço, quis fazer o retrato. Enquanto a imagem imprimia, foi fazendo o questionário habitual e, em chegando à questão de “ofício”, disse-me ser engenheiro electrotécnico. Espero que a minha barba e a pala do meu boné tenham escondido o meu espanto, que as minhas palavras não o demonstraram certamente.
Mas, ao mesmo tempo, a minha admiração.
O seu futuro é tão risonho quanto os seus dedos tintos e as pedras negras que esculpe e vende. Estou em crer que o sabe com a certeza de quem luta para manter o vício.
Mas o seu orgulho e amor-próprio ainda não foram atingidos! Afinal, um título é um título, que nunca se perde. Ainda que pertença a um passado distante e nebuloso.

Mas nunca se sabe quando ou se o céu clareará.

Texto e imagem: by me

O lucro


Tipografo. Poeta. Acrata.
Qualquer ordem dos factores é arbitrária. Que todos eles detêm igual importância na vida deste octogenário.
Foram mais de três horas de conversa com este “velha-guarda”. O preço foi ter perdido a oportunidade de fazer, talvez, umas duas ou três fotografias para alem das dezassete com que fui para casa.
O lucro?
Para além da sua imagem? Para além de ter sido alvo da oferta de dois dos seus livros, edição de autor, e resultado de partos difíceis, fruto das lutas com editores e impressores? Para além de ter conhecido detalhes da vida de naturista? Ou de um ardina? Para além de ter sabido um pouco mais sobre, o antes o durante e o depois da revolução de Abril? Para além de ter mergulhado, lá e depois em casa, em conceitos filosóficos que desconhecia?
Não creio que negociante ou empresário algum lucrasse tanto em tão pouco tempo!
A sua imagem? Mantenho o recato que merece, aliás, para estar de acordo com o que pensa.

Texto e imagem: by me