O pai


Na minha câmara, caixa, artefacto, o que lhe queiram chamar, tenho um mostruário.
Não é particularmente grande – três fotografias de cada lado – e faz muito que não o mudo. Tenho andado com vontade e de o fazer, mas a preguiça tem-se imposto e lá vai ficando. Ainda bem!
Uma das fotografias é de uma senhora e de sua filha. Romenas, a mãe não tem ofício certo que não seja andar a pedir, ao que me parece.
Há coisa de umas semanas um garoto, igualmente romeno e que as conhece, orgulhoso da sua recente aquisição – uma bicicleta – viu-me e veio cumprimentar-me. Tão orgulhoso estava que insistiu em ser de novo fotografado – tinha-o sido uns meses antes – mas desta feita montado no corcel.
Enquanto a imagem se processava, sempre me foi dizendo que aquela senhora tinha estado ausente para a sua terra natal mas que regressaria na semana seguinte.
Hoje constatei que ela tinha regressado!
Sou abordado por dois homens, com uma terrível dificuldade em se exprimirem em português. Mas ao verem a fotografia da senhora, todas as barreiras linguísticas se derrubaram. Um deles soube dizer-me que a criança era linda, conhecendo-a pelo nome. E que era linda, e que era linda, e tão linda ao ponto de beijar a fotografia ali pendurada.
O seu companheiro lá se fez entender e comunicou-me que era a filha que ali estava fotografada.
Claro que quiseram ser fotografados e se a fotografia não fosse gratuita passaria a sê-lo.
Poder unir, ainda que com corantes jorrados num papel, uma família nómada e de parquíssimas posses, é pagamento que baste. E se a tarde rendeu pouco em quantidade, sobrou em qualidade!

Texto e imagem: by me

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