uma história a dois tempos


Primeiro tempo:
Aquando do último dia da Mulher eu estava no Jardim da Estrela.
Não tinha levado comigo o meu artefacto, que estava em busca de outras imagens, mas tinha outra câmara nas mãos.
A dado passo, sou abordado por uma das senhoras de idade, reformadas, que por ali estão quase todas as tardes. Pelo aspecto, linguagem e vestuário, senhora de muito modesta condição.
Diz-me ela que já me tinha visto por lá e que gostaria que eu lhe fizesse uma fotografia nesse dia em especial, por ser o Dia da Mulher.
A minha resposta deixou-a meio satisfeita, meio nem tanto. Que não tinha com que o fazer como de costume, mas que lhe faria outra de bom grado com a que tinha ali e que, mais tarde quando os encontrássemos, lha daria com satisfação. E assim se fez.
Fiz-lhe alguns retratos, uns de corpo inteiro, outros só do rosto e acabei por imprimir mais tarde uma de corpo inteiro. É que ela tinha-me dito que gostaria de ter uma como a que os seus “colegas” tinham. E por colegas, entenda-se os reformados que ali vão quando está bom tempo, tendo o apoio da “Casa do Idoso” que ali existe.
Uns dias tarde, não sei precisar quando, entreguei-lha para sua satisfação e rasgado sorriso. Quando comigo se cruza, vem toda satisfeita cumprimentar-me e repetir-me que a tem lá em casa, na sala, a fotografia feita no Dia da Mulher.

Segundo tempo:
O dia de hoje esteve fraco. As nuvens de ameaça de chuva (mas que não passaram de ameaça) espantaram as pessoas do jardim e as poucas que por lá estavam não tinham grande apetência para fotografias ou curiosidades.
Estava eu entretido com a minha navalhinha a descascar um pequeno galho de árvore que apanhara do chão, quando sou abordado pela senhora referida acima. Trás ela um saco de plástico na mão e, sorridente, diz-me que tem ali uma coisa para mim. Tinha-o pedido a um rapaz que estava com ela num banco ali mais acima.
Olhei para o local indicado e vi que a tal pessoa que ocupava o banco seria, talvez, mais velha que ela, mas as noções de idade são sempre relativas.
Abre o saco e entrega-me este tripé. Não tem mais de 25cm de altura, mas em excelente estado de conservação, rótula incluída. E nem desconfio para que terá servido originalmente.
Diz-me ela que seria a compensação da fotografia que eu lhe tinha feito e que talvez me desse jeito para segurar qualquer coisa de fotografia.

Espero que as minhas palavras – que já nem me recordo de quais foram – e que a minha expressão tenham sido bem explicitas da minha satisfação e ternura perante semelhante presente.
E não sei quem estava mais satisfeito: se eu por o receber se ela por mo dar!
É que, é sabido, quanto menos se tem ou teve toda a vida, mais prazer se sente em partilhar o pouco que se possui.

Texto e imagem: by me

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