Doeu


Estou ligado à imagem (fotográfica, cinematográfica ou videográfica, foto-química, electrónica ou digital) desde que me conheço!
Tive a minha primeira câmara fotográfica aos 12 anos (e ainda a tenho) e usei uma câmara de cinema pela primeira vez aos 16 anos (ainda tenho a câmara, a moviola e a coladeira). O vídeo foi aos 19 anos, em termos profissionais e ainda trabalho na mesma empresa.
São assim muitos milhares de milhões de biliões de imagens que tenho feito ao longo da minha existência (em fotografia serão apenas umas centenas de milhar).
Das que fiz em suporte fotográfico ou cinematográfico, guardo-as a todas. Ainda que a esmagadora maioria não tenha sido vista por outros olhos que não os meus. Senão o resultado final, o positivo impresso, pelo menos os originais, aquele pedaço de película que recebeu a luz no interior da câmara.
Não se trata de uma mania ou de um fetiche. Apenas entendo que cada uma delas, num dado momento, teve muita importância na minha vida e que, como tal, a devo guardar. Por muito má que técnica ou esteticamente possa ser. E muitas são-no!
Guardo-as todas, menos uma! Uma que fiz, que materializei em papel e que, logo de seguida, rasguei. E que, horas depois, destruí definitivamente, apagando o original digital. Irrecuperável, seja de que forma for.
Doeu! Garanto que doeu!

Estava eu na minha actividade de fotógrafo de jardim. Câmara montada, saco encostado ao tripé e eu, deambulando em redor, olhando os passantes.
Destes, junta-se a mim um casal, dos seus cinquentas, acompanhados por uma criança pequena num carrinho, que dormiu o tempo todo, felizmente.
Olharam de um lado e do outro e perguntaram-me quanto custava a fotografia. Perante a minha resposta do costume, que era grátis, pediram para fazer uma. E lá se puseram onde lhes sugeri, assumindo a pose que entenderam.
Depois de feito o registo original, e enquanto o resto da técnica funcionava, continuei com a conversa habitual, que aquilo levava algum tempo, que mais logo à noite estaria na Internet (tenho essa informação exposta do dois lados da câmara) e que gostaria, entretanto, que me respondessem a duas ou três perguntas muito simples.
Aqui a coisa complicou-se a sério!
Que eu deveria ter dito logo que era para a net, para que raio queria eu as respostas, que andava a fazer as coisas às escondidas, que não autorizavam as fotos na net nem respondiam às perguntas…
E o seu tom de voz foi assumindo proporções que começaram a fazer-me sair do sério. Apesar de toda a afabilidade e bonomia que faço questão de ter aqui. Mas consegui manter as estribeiras, não correspondendo ao vocabulário por eles empregue.
Terminou a situação com o rasgar ali mesmo em frente deles da imagem entretanto impressa. E com o compromisso, sempre por mim assumido, de não publicar a imagem, entretanto captada, contra a vontade deles. Ficaram eles com o meu cartão para que o pudessem ir verificar, se o entendessem!
Nos dez minutos que se seguiram, o meu deambular em torno da câmara não foi o de quem espera um “cliente” mas antes o de um tigre enjaulado, tentando recuperar o bom humor que quase me tinham feito perder.
Mas o resto da tarde acabou por correr admiravelmente bem, quase esquecendo eu o episódio.

Mas à noite, ao processar as imagens recolhidas, dei de novo com a que deles tinha feito. Ainda hesitei um pouco. Sim ou não? Acabou por ser sim e apaguei-a. Não tinha assumido tal compromisso, mas apaguei-a! Definitivamente!
Dos arquivos digitais, que dos neurónios nunca sairá. Esta será, na minha já longa carreira, uma imagem única. Porque a destruí eu mesmo, deliberadamente. Poderia não o ter feito, até porque a sua ignorância nestes processos é tal que nem souberam exigi-lo. Mas a minha raiva contra estes dois “marretas” foi tal – é tal – que me recuso a que conspurquem os meus arquivos de imagem!
Mas que me doeu premir a tecla “delete” do teclado, lá isso doeu mesmo!


Texto e imagem: by me

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