A história aconteceu a vários tempos.
Conhecemo-nos no Jardim da Estrela, num domingo em que a Banda da Carris actuou. Durante o concerto, estava a câmara “Oldfashion” encostada, que o espaço era reduzido e as atenções mais para a música que para ela. Eu ia fotografando com a DSLR, a curta distância que as precauções assim o impunham. Mas, a dado passo, um homem acercou-se.
Ex-marinheiro da Armada, recordava ter feito uma fotografia com uma câmara destas, no Terreiro do Paço, e que o fotógrafo tinha feito uma montagem desta com a da sua noiva. Há quase cinquenta anos. E que a esposa ainda a tinha a carteira.
Confesso que não resisti, engoli a vergonha e pedi para a ver. Foi ter com a esposa, que estava a uns metros de distância com amigos e regressou com a foto. Uma 9x12, dobradinha e quatro, faltando já prata nas zonas dos vincos, mas as caras ainda se viam, bem como o tom rosado da aguarelada dada às flores em redor.
A dona e retratada, à distância que aquela era uma conversa de homens, mantinha uma vigilância feroz sobre o seu tesoiro, não fosse algo acontecer-lhe.
Algum tempo depois, duas semanas mas não garanto, eis que o casal se cruza comigo de novo. Conversa vai, conversa vem, e perdendo toda a vergonha que ainda me pudesse restar, tenho o topete de lhes perguntar se poderia fotografar aquela antiguidade. Aquela fotografia com história. E que me comprometia a retoca-la, na medida do possível, eliminando os vincos e recompondo os pedaços em falta. E que lhes daria uma cópia impressa disso.
Não sei se pela lisonja de saberem a fotografia importante, se pela cobiça de a terem retocada, acederam e eu fotografei-a com a 6Mpixel.
Já em casa, e em tendo tempo, dediquei-lhe a minha melhor atenção. A empresa era mais complicada do que eu tinha suposto, que havia que inventar muito, mas lá fui dando conta do recado. Imprimi-a e coloquei-a junto com os “pertences” do “oldfashion”, que só assim os voltaria a encontrar, no jardim da Estrela.
O tempo foi passando e as férias de verão e a minha falta de disponibilidade para lá ir regularmente fizeram com que passassem mais de dois meses sem que nos cruzássemos.Quando, há coisa de semana e meia, os vi aproximar, a relação do casal era a do costume: ele a marchar à frente, ela arrastando-se atrás uns metros.
Veio ele direito a mim, com um sorriso equivalente ao que eu mesmo exibia e, após as cortesias habituais, entreguei-lhe a fotografia. O seu sorriso alargou-se ainda mais, agradeceu-me e afastou-se em direcção à esposa. E seguiram os dois, mais um casal que os acompanhava.
Um pouco depois, voltaram ambos pelo mesmo caminho e ele, desviando um pouco o rumo, disse-me que a mulher tinha gostado muito e que estava a pensar em coloca-la numa moldura a comprar. E afastaram-se.
Durante todas estas conversas, nunca consegui ouvir a voz da senhora e o mais que vi para além do olhar vigilante quando eu tinha a foto em meu poder, foi um sorriso tímido depois de ter recebido a cópia.
Hoje, a meio da tarde, cruza-se comigo uma senhora de idade. Uma daquelas que costuma frequentar o jardim, reformada que está, e com quem vou conversando quando calha.
Cumprimentámo-nos e, em tendo andado uns dez metros, volta para trás e interpela-me.Diz-me que já tinha visto a fotografia, que estava na salinha do casal, dentro de uma moldura de madeira comprada para o efeito. Que estava muito bonita e que a dona me agradecia muito pelo trabalho.
Tenho pena que a personalidade omnipresente e omnipotente de um sargento da marinha na reforma tenha eclipsado a possibilidade de a esposa fazer um agradecimento pessoalmente.
Mas o recado foi dado e a minha satisfação em a saber contente chega-me!Quem sabe que histórias e estórias esta foto, sacralmente guardada por cinquenta anos numa carteira e agora à luz do dia, tem para contar?
Texto e imagem: by me
Conhecemo-nos no Jardim da Estrela, num domingo em que a Banda da Carris actuou. Durante o concerto, estava a câmara “Oldfashion” encostada, que o espaço era reduzido e as atenções mais para a música que para ela. Eu ia fotografando com a DSLR, a curta distância que as precauções assim o impunham. Mas, a dado passo, um homem acercou-se.
Ex-marinheiro da Armada, recordava ter feito uma fotografia com uma câmara destas, no Terreiro do Paço, e que o fotógrafo tinha feito uma montagem desta com a da sua noiva. Há quase cinquenta anos. E que a esposa ainda a tinha a carteira.
Confesso que não resisti, engoli a vergonha e pedi para a ver. Foi ter com a esposa, que estava a uns metros de distância com amigos e regressou com a foto. Uma 9x12, dobradinha e quatro, faltando já prata nas zonas dos vincos, mas as caras ainda se viam, bem como o tom rosado da aguarelada dada às flores em redor.
A dona e retratada, à distância que aquela era uma conversa de homens, mantinha uma vigilância feroz sobre o seu tesoiro, não fosse algo acontecer-lhe.
Algum tempo depois, duas semanas mas não garanto, eis que o casal se cruza comigo de novo. Conversa vai, conversa vem, e perdendo toda a vergonha que ainda me pudesse restar, tenho o topete de lhes perguntar se poderia fotografar aquela antiguidade. Aquela fotografia com história. E que me comprometia a retoca-la, na medida do possível, eliminando os vincos e recompondo os pedaços em falta. E que lhes daria uma cópia impressa disso.
Não sei se pela lisonja de saberem a fotografia importante, se pela cobiça de a terem retocada, acederam e eu fotografei-a com a 6Mpixel.
Já em casa, e em tendo tempo, dediquei-lhe a minha melhor atenção. A empresa era mais complicada do que eu tinha suposto, que havia que inventar muito, mas lá fui dando conta do recado. Imprimi-a e coloquei-a junto com os “pertences” do “oldfashion”, que só assim os voltaria a encontrar, no jardim da Estrela.
O tempo foi passando e as férias de verão e a minha falta de disponibilidade para lá ir regularmente fizeram com que passassem mais de dois meses sem que nos cruzássemos.Quando, há coisa de semana e meia, os vi aproximar, a relação do casal era a do costume: ele a marchar à frente, ela arrastando-se atrás uns metros.
Veio ele direito a mim, com um sorriso equivalente ao que eu mesmo exibia e, após as cortesias habituais, entreguei-lhe a fotografia. O seu sorriso alargou-se ainda mais, agradeceu-me e afastou-se em direcção à esposa. E seguiram os dois, mais um casal que os acompanhava.
Um pouco depois, voltaram ambos pelo mesmo caminho e ele, desviando um pouco o rumo, disse-me que a mulher tinha gostado muito e que estava a pensar em coloca-la numa moldura a comprar. E afastaram-se.
Durante todas estas conversas, nunca consegui ouvir a voz da senhora e o mais que vi para além do olhar vigilante quando eu tinha a foto em meu poder, foi um sorriso tímido depois de ter recebido a cópia.
Hoje, a meio da tarde, cruza-se comigo uma senhora de idade. Uma daquelas que costuma frequentar o jardim, reformada que está, e com quem vou conversando quando calha.
Cumprimentámo-nos e, em tendo andado uns dez metros, volta para trás e interpela-me.Diz-me que já tinha visto a fotografia, que estava na salinha do casal, dentro de uma moldura de madeira comprada para o efeito. Que estava muito bonita e que a dona me agradecia muito pelo trabalho.
Tenho pena que a personalidade omnipresente e omnipotente de um sargento da marinha na reforma tenha eclipsado a possibilidade de a esposa fazer um agradecimento pessoalmente.
Mas o recado foi dado e a minha satisfação em a saber contente chega-me!Quem sabe que histórias e estórias esta foto, sacralmente guardada por cinquenta anos numa carteira e agora à luz do dia, tem para contar?
Texto e imagem: by me
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