O normal de acontecer em torno da minha câmara de madeira é boa disposição e sorrisos, por vezes mesmo gargalhadas.
O que antecede e sucede ao click da função, faço eu para que assim seja, quer aproveitando a surpresa sorridente do fotografado, quer porque tiro partido das recordações agradáveis que a câmara e eu mesmo provocamos, ali se passam uns bons minutos de satisfação.
Foi o caso de um homem, já na casa dos noventas, que me confessou que a primeira fotografia que fez foi numa câmara destas, tinha ele 14 anos, vestindo o primeiro fato que possuiu. Foi fazê-la ao Campo Grande, em Lisboa, que era mais barato que nos outros fotógrafos de rua e muito mais barato que nos de loja. E fez, a pé, o percurso do Bairro Alto ao Campo Grande para não pagar o bilhete, que trabalhava 18 horas por dia numa taberna do bairro, morando por cima, emprego bom, à época, para quem chegou da província para sobreviver.
Faz tempo que não o vejo por ali, pelo Jardim da Estrela.
Foi também o caso daquela senhora idosa, frequentadora diária daquelas sombras e bancos de madeira, que comentou, um destes dias, para as amigas com quem estava, que já ali havia feito uma fotografia. E, em tom bem mais alto, para que eu a ouvisse, afirmou: “Ainda a tenho! É uma recordação…!”
Falta-me saber o que aquela fotografia lhe recorda, já que foi feita ainda não há três meses.
Mas nem sempre o que acontece por ali, relacionado com a minha “Oldfashion”, é assim agradável ou bom de recordar.
Um destes, dias, a uns bancos de distância do meu poiso, um homem e uma mulher discutiam. A bem dizer, era mais um monólogo que uma discussão.
Ele, com uns bons 25 anos a mais que ela, estava sentado, sem dizer o que quer que fosse, intercalando o olhar distante para o horizonte urbano com o levar à boca para umas goladas a garrafa de vinho que tinha na mão.
Ela, de pé à sua frente, reclamava ora em tom baixo, ora audível de onde eu me encontrava, que queria o cartão, que o cartão era dela.
A dado passo, oiço-o retorquir-lhe. “Olha! Vai mas é ali fazer uma fotografia!”, ao mesmo tempo que acenava com a cabeça para o meu lado.
Foi uma estreia, já que do muito que já ouvi sobre fotografia no geral e sobre a minha câmara em particular, nunca nada foi em tom de insulto ou como substituto de palavrão. E fiquei sem saber de que cartão se tratava, se de telemóvel se de Multibanco, que se foram embora sem que a questão ficasse resolvida, ao que me pareceu.
Mas, mais ou menos na mesma altura, não me recordo do dia exacto, um casal com criança de colo passam por mim. Ela a falar em tom baixo, mas ríspido, ele a tentar sorrir enquanto empurrava o carrinho da cachopita.
Parou ele, questionou o que é costume questionar e quis fazer o retrato. De família. Todos a sorrir como é da tradição. Esforço vão, que ela não o quis e a fotografia ficou-se por dois terços dos visitantes. Enquanto ela, de parte, mantinha o cenho franzido.
E mais ficou quando a viu, à fotografia, e confirmou o preço pedido: coisa nenhuma.
Quando se afastaram, continuou ela o discurso interrompido, por palavras e gestos, e continuou ele a tentar sorrir.
Desta feita, o fazer de uma fotografia não provocou nenhum sorriso. E não creio que, passados tempos, meses ou anos, sorriam pela recordação. Que há coisas que não são “Para mais tarde recordar!”
Texto e imagem: by me
O que antecede e sucede ao click da função, faço eu para que assim seja, quer aproveitando a surpresa sorridente do fotografado, quer porque tiro partido das recordações agradáveis que a câmara e eu mesmo provocamos, ali se passam uns bons minutos de satisfação.
Foi o caso de um homem, já na casa dos noventas, que me confessou que a primeira fotografia que fez foi numa câmara destas, tinha ele 14 anos, vestindo o primeiro fato que possuiu. Foi fazê-la ao Campo Grande, em Lisboa, que era mais barato que nos outros fotógrafos de rua e muito mais barato que nos de loja. E fez, a pé, o percurso do Bairro Alto ao Campo Grande para não pagar o bilhete, que trabalhava 18 horas por dia numa taberna do bairro, morando por cima, emprego bom, à época, para quem chegou da província para sobreviver.
Faz tempo que não o vejo por ali, pelo Jardim da Estrela.
Foi também o caso daquela senhora idosa, frequentadora diária daquelas sombras e bancos de madeira, que comentou, um destes dias, para as amigas com quem estava, que já ali havia feito uma fotografia. E, em tom bem mais alto, para que eu a ouvisse, afirmou: “Ainda a tenho! É uma recordação…!”
Falta-me saber o que aquela fotografia lhe recorda, já que foi feita ainda não há três meses.
Mas nem sempre o que acontece por ali, relacionado com a minha “Oldfashion”, é assim agradável ou bom de recordar.
Um destes, dias, a uns bancos de distância do meu poiso, um homem e uma mulher discutiam. A bem dizer, era mais um monólogo que uma discussão.
Ele, com uns bons 25 anos a mais que ela, estava sentado, sem dizer o que quer que fosse, intercalando o olhar distante para o horizonte urbano com o levar à boca para umas goladas a garrafa de vinho que tinha na mão.
Ela, de pé à sua frente, reclamava ora em tom baixo, ora audível de onde eu me encontrava, que queria o cartão, que o cartão era dela.
A dado passo, oiço-o retorquir-lhe. “Olha! Vai mas é ali fazer uma fotografia!”, ao mesmo tempo que acenava com a cabeça para o meu lado.
Foi uma estreia, já que do muito que já ouvi sobre fotografia no geral e sobre a minha câmara em particular, nunca nada foi em tom de insulto ou como substituto de palavrão. E fiquei sem saber de que cartão se tratava, se de telemóvel se de Multibanco, que se foram embora sem que a questão ficasse resolvida, ao que me pareceu.
Mas, mais ou menos na mesma altura, não me recordo do dia exacto, um casal com criança de colo passam por mim. Ela a falar em tom baixo, mas ríspido, ele a tentar sorrir enquanto empurrava o carrinho da cachopita.
Parou ele, questionou o que é costume questionar e quis fazer o retrato. De família. Todos a sorrir como é da tradição. Esforço vão, que ela não o quis e a fotografia ficou-se por dois terços dos visitantes. Enquanto ela, de parte, mantinha o cenho franzido.
E mais ficou quando a viu, à fotografia, e confirmou o preço pedido: coisa nenhuma.
Quando se afastaram, continuou ela o discurso interrompido, por palavras e gestos, e continuou ele a tentar sorrir.
Desta feita, o fazer de uma fotografia não provocou nenhum sorriso. E não creio que, passados tempos, meses ou anos, sorriam pela recordação. Que há coisas que não são “Para mais tarde recordar!”
Texto e imagem: by me
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