Três gerações, três continentes


Chegaram, mãe filho, este ao colo dela. Aliás, teria que ser assim se para trajectos maiores, que o pirralho era tão piquinino que o seu andar pouco mais era que pôr um pé à frente do outro para não cair.
Falámos um pouco e fizemos a fotografia. E quedámo-nos na conversa, mesmo depois da função terminada.
O pequenote, esse, é que pouco se interessou no que dizíamos. Partiu para descobrir novos mundos, na imensidão de uns dez metros em redor. E, sendo o seu caminhar o que era, cedo caiu.
À distancia a que estava, a mãe constatou que nada de grave acontecera. Tal como eu. O minorca, estendido ao comprido, de barriga para baixo, olhou em redor, sem choro ou beicinho, verificou a proximidade da mãe e lá se levantou para mais uma caminhada. Que acabou em queda de igual gravidade.
Afinal, é assim que aprendemos a caminhar, caindo, levantando-nos e continuando. E aprendendo como usar o que temos e onde e como pôr os pés.
A sua inexperiência era tal que, passado pouco, ei-lo de novo no chão.
A mãe, estrategicamente colocada na nossa conversa, ia verificando o resultado das quedas, ao mesmo tempo que se certificava que o seu trajecto não coincidia com o das bicicletas, shates ou patins que por ali pululam. Estava tudo controlado e tranquilo.
Quem assim não pensou foi uma velhinha, com ar de avó tremida mas extremosa, que à terceira queda do aprendiz de caminhante, achou que era demais.
Levantou-se do seu banco de jardim e, com uma dificuldade em caminhar equivalente à da criança, abeirou-se dele e levantou-o do chão. Regresando de seguida ao seu lugar sentado, não fora ser este selvaticamente ocupado por algum dos muitos outros idosos do jardim.
Pouquinho tempo depois, a cena repete-se: o pimpolho cai, a velhinha levanta-se e levanta-o e regressa ao seu repouso. Tudo sob o olhar vigilante da mãe, que ia cavaqueando comigo, à beira da minha câmara e tripé.
À terceira a coisa foi diferente: Depois de levantar o pequeno, que continuava sorridente como sempre, caminhou para nós com ele segurando-lhe o dedo. E a sua expressão advertia das advertências que haveria de dar à mãe “descuidada”.
Nada ouvi, que se encontraram a meio caminho, com troca de dedo agarrado. Trocado por calças, à altura dos joelhos, quando regressaram para junto de mim.
Com um sorriso, disse-me ela que este era um dos motivos para gostar do Jardim da Estrela: Fora aqui que ele dera o seu primeiro passo e era aqui que estava a aprender a andar. Bonito de ouvir!
Como que inspirado na conversa, o rapazinho afastou-se caminhando, de novo em direcção ao local onde a boa da velhinha continuava sentada. E a mãe, continuando a sorrir e fazendo contrastar o tom dos dentes com o da pele, acrescenta: “É melhor ir busca-lo antes que ela venha cá de novo!”
E foi, regressando ele ao colo e com a mãozinha esticada para a pelagem branca que me cresce no queixo e cara.
Quando, passado um pouco, se foram de vez, fiquei pensando que, na verdade, a melhor forma de aprender é ir caindo até aprender a coisa. E aproveitar a pequenez da altura para que as quedas sejam pequenas e pouco dolorosas.
Acontece, porém, que há sempre uma avozinha, cheia de boas intenções, que se intromete e tenta mudar o curso natural da vida. E que, ou bem que já se esqueceram que foram crianças e mães, ou bem que mais nada lhes resta fazer que interferir na vida dos outros, queiram ou não eles que isso aconteça.

E quem é que está na imagem? Pela certa que não se esperaria que eu aqui mostrasse os intervenientes neste episódio em torno do meu “Oldfashion”!
Em alternativa mostro este retrato. Que em comum com a estória apenas tem o local onde foi feito e minha câmara de madeira. Que a estória falou de três gerações e aqui mostro a Ana, vinda de um terceiro continente.
É que o Jardim da Estrela é assim como que um centro do mundo, onde de tudo acontece e onde de tudo converge.


Texto e imagem: by me

The dog!


During these more than three years of my “Oldfashion Project” (here or here), I’ve being able to photograph all kinds of persons: from judges and ambassadors to beggars and garbage collectors, from famous writers and singers to anonymous clerks and bartenders, from just born babies to over 90 years old. The park is as rich of life as that and even more.
But the oddest picture I was asked to do is this one: not the owner and the dog but jut the dog!
Of course it would be better if he would stand a bit on the left or closer; of course it would be better if the sun would hit it to create a nice back light; of course it would be better if I’ve used a lower perspective; o course it would be better if…
But photographing with a fake old camera, a kind of view camera, with no viewfinder but my head in it, shooting standing beside it and with a cable release, having over than a second of delay, is not easy. Even worse if the subject is a young dog, with lots of other dogs hanging around with their owners.
Never the less, the owner liked it, so did I and I hope the same happened with the model.
Thank you, Oscar, for your patience!

Texto e imagem: by me

Em luta


Pelo que me pareceu, a rapaziada que por ali andava tinha deitado para o chão aquele meio pastel de carne. Não sei se por não gostarem dele se porque carga de água. Mas ali ficou, com um comentário mental meu, que mais valia terem-no deitado no caixote, que disso por ali não falta.
Seja como for, os pombos acabaram por o ver e vieram por ele. Primeiro um, depois outro, depois aos pares e aos trios, acabaram por ali se juntar mais de uma vintena de pombos. Todos atraídos pelo meio pastel de carne, suculento e apetitoso.
Mas se eram muitos, poucos puderam descobrir a que sabia. Que desde cedo veio um pombo maior, corpulento e de penas rebrilhantes, que entendeu que aquilo lhe pertencia. E sua convicção era tal que mal conseguia dele comer, tal era a senha com que corria à bicada e assanhado com todos os outros que se aproximavam.
Estes, grandes e pequenos, machos e fêmeas, usavam de todas as artimanhas, desde chegarem-se em grupos até esperarem que ele se afastasse um nico, correndo com alguns, para virem pelas costas. Mas de nada servia, que ele a todos topava e a todos corria.
Incomodou-me! Afinal, ainda que fosse só meio pastel de carne, os seus sete a oito centímetros de comprido eram bastante mais do que caberia no seu papo e daria, pela certa, para partilhar com os restantes.
Avancei, de navalha aberta e, para espanto da garotada que por ali convivia, baixei-me e cortei o pastel em quatro, afastando as partes um pouco umas das outras. Daria para todos, pensei.
Como me enganava! No regresso de lavar a lâmina no chafariz do parque, dou com o tal matulão, bem no meio das partes no chão, a reclamar a sua posse em luta com os que se aproximavam. Tinha muito mais trabalho, que a área a cobrir era francamente maior, mas bicava a torto e a direito, sobre todos os que quisessem uma nica.
Fiquei francamente furioso. Afinal aquilo dava para todos! Em duas valentes passadas aproximei-me, enxotei todos em redor e, a pontapé, afastei francamente os restos mortais do pastel. Sempre queria ver como é que o valentão iria defender aquela área enorme. Não o fez!
Depois de ter andado de um para outro, apropriou-se do maior e defendeu-o com a mesma energia de sempre. Aos restantes acercaram-se os menos afoitos, mas ficaram confrontados com outros proprietários, de menor porte mas suficiente para defender aqueles pedaços menores. No lugar de um grande ditador, criaram-se quatro ditadores, cada um à medida do pedaço que defendia. Os mais pequenos, esses, acabaram por conseguir bicar apenas nas migalhas que saltavam para longe dos pedaços grandes. Até que tudo ficou consumido e limpinho, como se nunca ali tivesse estado. E partiram para outras paragens!

Para que não haja confusões nem erros de interpretação, deixo aqui uma imagem ilustrativa. Ficar-se-á assim com a certeza de que estou a falar de pombos num jardim e não de homens em torno de um lugar na política ou de um posto de chefia numa empresa.


Texto e imagem: by me

The last one


Most of the times, we do know when we are doing our first picture. A person, an object, a situation. And also we use to remember it, since the first time is always important.
But, do we remember the last one? Do we ever know, when shooting, if it is the last one? Generally, we don’t! We may realize, latter, that it was the last one, but, knowing it when pressing the shutter release, is seldom.
Through the years I had the chance of being there when the last photo was done. And when the one in front of the camera not just knew it, but also make everything so that the picture was done.
The first time happened some 40 years ago and I was an eyewitness. It was, probably, one of the most important photographs of my life.
Another one took place last year. This one!
One day, in June, these two came to me, at the Jardim da Estrela, where I play the role of an old fashion photographer, with my fake old camera.
They wanted to know if I have two pictures, one of each one, but both of them with a friend. He died some time before, but they want to have that souvenir. I did, but at home, so I promise them that I would bring it with me next time.
A week or so later we meet again and they received their photos. But she wanted some more: a photograph of both of them. And, of course, I did it. But they look so in love that I also took this one, with my reflex camera. Some time after we meet again, he and I, and I give him the photograph.
Since then, we meet several times. He only. I never saw her again, walking around the park as she use to.

This week he came by once more and we chat a little. At some point, I ask him about her.
“She died last November”, he told me. And, shrugging his shoulders, he added: “Women problems, you know!”
I was speechless. What can we say on those moments?
But he added, smiling as always:
“I guess she knew it was her last picture, that one you make of us. You know, I still have it at home.”

We said some more non important things and he went away, with his swinging walk and his long lasting smile.
And I stood there, thinking on how the meaning or importance of a photograph can change. A trophy to some, a memory to others or even a farewell from those who left.
Is not easy to know we did the last one!


Texto e imagem: by me

Cosméticas


Já tinha estado em frente da minha câmara de madeira na véspera.
Na altura notei que estava a arranjar o cabelo, percebi o que queria mas, apesar de ter visto que não o tinha conseguido, entendi que não devia fazer nenhuma observação nesse sentido. Afinal, não posso nem devo fazer grandes alterações ao que os meus “clientes” querem mostrar em frente da objectiva.
Mas voltou no dia seguinte. Como se nada fosse e sempre tão divertida e bem disposta como aqui se vê, meteu conversa e pediu para fazer uma outra fotografia. E tornou a arranjar o cabelo.
Não pude deixar de me condoer com os seus esforços, e lá fui dar-lhe uma indicaçãozinha sobre até que ponto tinha que transformar o “rabo-de-cavalo” em “totó”, para que se visse.
E ela gostou tanto do retrato de corpo inteiro, que lhe fiz este outro, que levarei comigo impresso para lho dar.
Quem sabe se Tema Monteiro não será sua parente?


Texto e imagem: by me

Não é fácil


Não é fácil ser-se diferente! Não aquele ser-se diferente porque se quer ser diferente, ou por pura rebeldia ou para ser-se visto ou notado.
Refiro-me àquele “ser-se diferente” apenas porque apetece ser-se assim, independentemente dos códigos em vigor, das opiniões dos circundantes ou das reacções que se provoca. Ser-se diferente apenas porque se o é e nada mais. Não é fácil!
E no Jardim da Estrela é fácil encontrar-se quem seja diferente.
Desde logo eu mesmo que, para além da minha figura, estou ali a ofertar fotografias por um qualquer motivo obscuro. Que alguns entendem, que outros toleram e que outros ainda, porque não entendem ou toleram, insultam ou denigrem.
Há o caso, igualmente diferente, daquele que se diz pintor de construção civil e que é visto e ouvido no jardim quase todos os dias. Em regra, ouvimo-lo antes de o vermos, que tem na sua bicicleta um potente rádio a pilhas, ao estilo dos velhos “tijolos”, que vai ouvindo enquanto pedala, impondo aos demais utentes do jardim a sua escolha musical. Goste-se ou não dela! E, claro está, basta um olhar para o sabermos um adepto incondicional do Benfica, pela cor com que pintou o velocípede e pela portentosa e colorida bandeira que lhe está acoplada.
Temos também aquela outra senhora, já na casa dos sessentas, bem gorda e volumosa, que transporta sempre consigo uma enorme e pesada mochila. Nunca soube o que lá tem, que nunca o mostrou nem dela falou. Nem mesmo quando o álcool a faz ser menos normal ainda e se torna conflituosa para com passa por ela, falando-lhe ou não.
E temos o caso presente. De idade indefinida, mas avançada, cabeça sempre rapada, pescoço taurino, nariz adunco e andar elástico, nunca
O vi a falar com quem quer que fosse. Nem mesmo um sorriso ou um acenar de cabeça. E vejo-o todos os dias que estou no Jardim da Estrela.
Invariavelmente, quando chega dirige-se a um dos aparelhos de ginástica que lá estão e usa uns bons vinte minutos a pedalar com genica. Em seguida, senta-se num dos bancos do jardim, isolado, e está uma boa meia hora a dar de comer aos pombos. Mas fá-lo como aqui se vê ou, mais complicado ainda, agarrando-os (que eles se deixam agarrar por ele) e, um por um, leva-lhes o bico à mão para que depeniquem. Deve conhecer cada um deles, que a uns aceita e a outros recusa, como que a dizer “Hoje não é a tua vez!”
Os pombos, esses, conhecem-no à distância, e fazem bando no chão, por vezes ainda antes de ele lá chegar.
Esta fotografia é uma raridade, já que aconteceu quando, por uma vez sem exemplo, ele parou no caminho de regresso e aconteceu o que aqui vedes. Nunca ele tinha estado tão perto de mim a alimentá-los, nem eu tinha tido a coragem de dele me aproximar e quebrar a sua intimidade com eles para um registo.
Deste seu aspecto e comportamento resulta ser um dos que “São Diferentes”. E, em torno dessa diferença, bem inofensiva, muito se pode congeminar. Por mim, talvez devido à cultura cinematográfica norte-americana, consigo imaginá-lo como alguém que cumpriu uma longa e dura pena de prisão e que, lá dentro, se refugiou nos pombos como o símbolo da liberdade que não tinha. E que, em saindo e sentindo-se desenraizado, manteve o hábito e os amigos alados.
Não passa tudo isto de uma ficção, criada por alguém que passa horas a fio em torno de uma caixa de madeira encavalitada num tripé vetusto.
Mas… Quem sou eu para criticar o “Ser-se Diferente” dos outros? Não sei eu que não é fácil sê-lo?


Texto e imagem: by me

Quando eu morrer


Quando eu morrer não ficarei conhecido, certamente, como um tipo de bom feitio. Ainda que procure ser afável quando tudo corre bem, se me incomodam ou se me sinto atingido, reajo nem sempre da forma mais previsível ou agradável.
Foi no Jardim da Estrela. A tarde corria bem, o dia estava bonito, toda a gente parecia estar de bem com a vida. A única excepção fora uma das idosas, habituées do espaço, a queixar-se de todos os bancos estarem ocupados, para ouvirem aquela “porcaria de música clássica”. Tratava-se, entenda-se, de um concerto de Jazz, ali, ao vivo e de borla, como as minhas fotografias. Mas, pondo este comentário de parte, tudo estava a correr pelo melhor.
A certa altura surgem estas duas mocinhas. Vieram direitas a mim, sabendo do preço que cobro, e quiseram fazer uma foto. Vinham com a boa disposição própria da sua adolescência, de ser final de férias, de estarem de regresso de uma temporada de praia e novos amigos e estarem, de volta a casa, a reencontrarem os velhos amigos. Típico de um domingo, inicio de Setembro, com óptimo tempo.
No final, ao verem-se no papel, reagiram como de costume nestas idades, variando apenas nos apodos com que se mimosearam. No caso, um “Que nojo!”, normal para quem ainda não encontrou o equilíbrio consigo mesmo. Mas, quando lhes disse que se não gostassem da fotografia, não a levavam, riram-se a bom rir e fugiram com ela.
Tudo pelo melhor! Para todos os intervenientes!
Passado um pedaço, uma hora talvez, hei-las de volta. Desta feita com uma amiga, com quem queriam repetir a função. Mas, enquanto trocávamos umas graçolas, uma delas, qual Luky Luke da Estrela, saca do telemóvel, interrompe a conversa comigo e saúda o seu interlocutor. E, sem mais explicações, zarpam as três para longe. Suponho que ao encontro de quem quer que estivesse do outro lado da antena.
Não gostei! Não gostei nem um pouco! Esta mania de que quando o telefone toca tudo pára, tudo se interrompe, incomoda-me de sobremaneira. Quase que me transforma num louco furioso! É que, afinal, a vida é bem mais que os telemóveis, as fotografias, os computadores, as músicas ou o que quer que seja. O mais importante nela é mesmo aquele ou aqueles com quem estamos e desrespeitá-los assim é bem pior que um insulto ou agressão. Pelo menos eu não gosto!
Uns vinte minutos depois, bem medidos, regressam. Acompanhadas as três por dois amigos, vieram interromper a conversa que eu mesmo estava a ter com uma já conhecida daquelas paragens, ainda que oriunda do outro lado do globo. E se eu não tinha gostado que a conversa anterior tivesse sido interrompida por um telemóvel, também não gostei de ser interrompido em directo, aquando de uma conversa ao vivo. Não gostei mesmo nada!
Tal como ela não gostou de ouvir, na sequência do seu “Quero agora fazer a fotografia!” o meu “Não!”, seguido de “”Não gostei que tivesses interrompido a conversa por causa do telemóvel; não gostei que tivesses interrompido a minha conversa com esta senhora só porque chegaste. Não faço a fotografia!”
Estranhou, insistiu e eu insisti: “As fotografias aqui são grátis porque eu quero. E esta fotografia eu não faço! Talvez que assim aprendas qualquer coisa de boa educação!”
Fez beicinho, bateu o pé em tom de birra, deu meia volta que nem um recruta na parada e, agarrando na mão de uma das amigas, afastou-se a trotar. Com o resto do bando a olhar para mim e para ela e a seguir-lhe os passos.
A senhora que comigo falava, do alto do seu metro e meio, sorriu, acenou que sim e traduziu para a amiga a conversa. Suponho que tenha sido factual, que eu de indiano nada sei. Sei, isso sim, que a companheira sorriu também e acenou que sim igualmente. E, após mais umas banalidades sobre o assunto, o tempo e a música que se iria ali escutar, afastaram-se para usufruir, prazenteiramente, o resto daquele domingo saboroso.
Quando morrer certamente que ninguém dirá: “Aqui jaz um tipo de bom feitio.” Mas, caramba, nessa altura também não estarei por cá para ouvir e retorquir. Espero, no entanto, que esta mocinha, agora mal-educada, continue por cá por muito tempo e com melhores atitudes para com os outros. Se assim for, valerá a pena o que de mim disserem!


Texto e imagem: by me

Para mais tarde recordar, ou talvez não


O normal de acontecer em torno da minha câmara de madeira é boa disposição e sorrisos, por vezes mesmo gargalhadas.
O que antecede e sucede ao click da função, faço eu para que assim seja, quer aproveitando a surpresa sorridente do fotografado, quer porque tiro partido das recordações agradáveis que a câmara e eu mesmo provocamos, ali se passam uns bons minutos de satisfação.
Foi o caso de um homem, já na casa dos noventas, que me confessou que a primeira fotografia que fez foi numa câmara destas, tinha ele 14 anos, vestindo o primeiro fato que possuiu. Foi fazê-la ao Campo Grande, em Lisboa, que era mais barato que nos outros fotógrafos de rua e muito mais barato que nos de loja. E fez, a pé, o percurso do Bairro Alto ao Campo Grande para não pagar o bilhete, que trabalhava 18 horas por dia numa taberna do bairro, morando por cima, emprego bom, à época, para quem chegou da província para sobreviver.
Faz tempo que não o vejo por ali, pelo Jardim da Estrela.
Foi também o caso daquela senhora idosa, frequentadora diária daquelas sombras e bancos de madeira, que comentou, um destes dias, para as amigas com quem estava, que já ali havia feito uma fotografia. E, em tom bem mais alto, para que eu a ouvisse, afirmou: “Ainda a tenho! É uma recordação…!”
Falta-me saber o que aquela fotografia lhe recorda, já que foi feita ainda não há três meses.
Mas nem sempre o que acontece por ali, relacionado com a minha “Oldfashion”, é assim agradável ou bom de recordar.
Um destes, dias, a uns bancos de distância do meu poiso, um homem e uma mulher discutiam. A bem dizer, era mais um monólogo que uma discussão.
Ele, com uns bons 25 anos a mais que ela, estava sentado, sem dizer o que quer que fosse, intercalando o olhar distante para o horizonte urbano com o levar à boca para umas goladas a garrafa de vinho que tinha na mão.
Ela, de pé à sua frente, reclamava ora em tom baixo, ora audível de onde eu me encontrava, que queria o cartão, que o cartão era dela.
A dado passo, oiço-o retorquir-lhe. “Olha! Vai mas é ali fazer uma fotografia!”, ao mesmo tempo que acenava com a cabeça para o meu lado.
Foi uma estreia, já que do muito que já ouvi sobre fotografia no geral e sobre a minha câmara em particular, nunca nada foi em tom de insulto ou como substituto de palavrão. E fiquei sem saber de que cartão se tratava, se de telemóvel se de Multibanco, que se foram embora sem que a questão ficasse resolvida, ao que me pareceu.
Mas, mais ou menos na mesma altura, não me recordo do dia exacto, um casal com criança de colo passam por mim. Ela a falar em tom baixo, mas ríspido, ele a tentar sorrir enquanto empurrava o carrinho da cachopita.
Parou ele, questionou o que é costume questionar e quis fazer o retrato. De família. Todos a sorrir como é da tradição. Esforço vão, que ela não o quis e a fotografia ficou-se por dois terços dos visitantes. Enquanto ela, de parte, mantinha o cenho franzido.
E mais ficou quando a viu, à fotografia, e confirmou o preço pedido: coisa nenhuma.
Quando se afastaram, continuou ela o discurso interrompido, por palavras e gestos, e continuou ele a tentar sorrir.
Desta feita, o fazer de uma fotografia não provocou nenhum sorriso. E não creio que, passados tempos, meses ou anos, sorriam pela recordação. Que há coisas que não são “Para mais tarde recordar!”


Texto e imagem: by me

Insólitos Oldfashion


Atrás deste simpático casal e desta vetusta câmara fica uma aprazível zona de sombra, fornecida por uma frondosa árvore, onde esteve por mais de uma hora um carro patrulha da PSP, fugindo assim ao sol abrasador que hoje se fez sentir.
Ambos os agentes, um homem e uma mulher, são meus conhecidos desde o início das minhas idas regulares ao Jardim da Estrela e são elementos do programa “Escola Segura”. Ambos simpáticos e agradáveis no trato. Em havendo possibilidade, de parte a parte, damos um pouco à língua.
Pois estávamos, ele e eu, à conversa junto ao carro, quando surge uma avó. Pelo menos tinha idade para isso. E uma energia de movimentos que explicava a agilidade com que abordou o carro patrulha. Mas com uma mentalidade que parecia ser bem mais antiga que a idade que aparentava. Algures bem atrás, em meados do século passado.
Vinha ela queixar-se que na relva, naquela zona aqui meio escondida e ao sol atrás das árvores, estavam duas raparigas deitadas, uma em cima da outra, aos beijos na boca e outros maneios.
Pelo que me foi dado ver, pois que ouvi a queixa, não havia um centímetro de pele visível a mais que o que se espera ver em gente daquela idade e com o calor deste dia. Aliás, tinham mais pele tapada que muitas dondocas, algumas da idade da queixosa, quando vão a festas muito in, muito jet-set.
Pois a avozinha queixava-se que aquilo era uma pouca-vergonha, que não havia direito nenhum, como iria explicar aquilo às suas netas que estavam a ver…
A agente que estava no carro, a tratar de papelada, lá se levantou e, com bastante calma, foi falar com as mocinhas em questão. Esteve uns minutos por lá, numa conversa que àquela distância me pareceu afável, e regressou com um sorriso na cara. Enquanto que as garotas, que não teriam mais que 15 ou 16 anos, se juntavam a amigas que por ali estavam.
Ficou a conversa sobre a homossexualidade e a sua liberdade, bem como se a avozinha teria apresentado queixa se se tratassem de um rapaz e uma rapariga. O que, aliás, é comum ali ver, como em muitos outros jardins por este mundo fora.
Desta história o que retiro é que, apesar de estar extinta há muito a polícia de costumes, que fiscalizava o bom comportamento moral dos portugueses, basta haver uma queixa sobre um eventual atentado à moral pública e as forças de segurança actuam. Ainda que a moral em causa seja a de uma avozinha que, a bem da população e da paz social, não deveria ser autorizada a sair de casa para que não pudesse incomodar os demais cidadãos. A bem da liberdade de pensamento e de acção!

Agora, contada a história, podem perguntar o que esta imagem tem a ver com o relatado.
Com toda a certeza que não estavam à espera que eu fotografasse, e menos ainda que exibisse, os intervenientes no sucedido. Não apenas não o autorizariam como seria uma intromissão da minha parte.
Mas esta fotografia foi feita uma meia hora depois do contado, por um passante e a pedido, e é tão surpreendente como o atrás descrito.
Quem esperará ver, em pleno coração de Lisboa, Portugal, uma estudante Tailandesa? Menos ainda que se queira fazer fotografar por uma caixa de madeira com objectiva. E muito menos que queira ficar com uma outra imagem, desta feita junto com o fotógrafo. E eu, aproveitando o ensejo do passante, quis fazer uma com a câmara de bolso, que por acaso até anda no meu cinto. Esta!
Duas situações insólitas em meia hora e sem sair do meu lugar, entre o portão e o coreto.



Texto: by me
Imagem: by um estranho

Até ao próximo episódio


Já o tenho dito vezes sem conta: cada fotografia tem uma história e uma estória.
E um bom fotógrafo consegue contá-las sem mais que com a fotografia.
Talvez porque não o seja eu, é frequênte as minhas fotografias ficarem aquém das estórias em torno delas.
E neste projecto, com quase três anos e mais de oitocentas fotografias feitas, algumas estórias acabam por, no geral, repetirem-se. Com pequenas diferenças nas abordagens, nas poses e reacções ao que recebem, para já não falar na questão do preço, mais de metade das que faço em cada dia de jardim da Estrela acabam por ser rotineiras na sua variedade.
Algumas há, no entanto, que primam por serem diferentes de todas as outras. Quer seja por aquilo que se constata na fotografia, quer seja pelas conversas tidas antes ou depois dela, quer seja pela empatia criada entre os dois lados da caixa de madeira.
Esta fotografia é, certamente, merecedora de pertencer a um álbum de selecção porque consegue, creio eu, retratar com razoável fidelidade as estórias que a antecederam e sucederam, bem como as pontes que se criaram entre os quatro intervenientes: os retratados, o retratista e a maquina de retratos.
Foi um privilégio tê-la feito e, como me foi dito em contra-ponto ao meu costumeiro “Divirtam-se!”:
“Até ao próximo episódio!”


Texto e imagem: by me

À fé de quem sou!


Negra! Daquele tom africano que quase nos faz pensar em algo levemente azulado. E que, pela minha falta de hábito em registar este tipo de tez, me deixa quase à-toa em o reproduzir com exactidão.
Bonita! Francamente bonita. Pelo menos naquilo que lhe podia ver, ou seja, as mãos, metade dos pés e a cara. Que todo o resto estava integralmente coberto. Num sinal inequívoco da sua fé ou crença.

Quando passou para cima, acompanhada pela pequenada, olhou mas sem muito interesse, que a canalha miúda absorvia-lhe a atenção. Mas no regresso, com mais calma, ficou a olhar à distância para o meu artefacto. Sentindo-lhe interesse, sorri-lhe e gesticulei-lhe que se aproximasse, o que fez.
A comunicação começou por ser difícil e a medo, que pouco sabia de português. Mas em sabendo-me a falar, ainda que mal, o francês, tudo se tornou mais fácil e quis fazer uma fotografia.
Enquanto a impressão acontecia, fui inquirindo a anotando as respostas, como de costume. E foi aí que a coisa aconteceu!
Não tinha a senhora entendido que não apenas iria haver uma eventual publicação na web como, menos ainda, que eu ficaria com uma cópia do que lhe entregasse. E isso quase que a ofendeu. Acredito que entrasse violentamente em confronto com a sua religião que, ao que sei no seu país de origem – Senegal – é seguida com muito rigor.
Desfiz-me em desculpas pelo meu erro ou engano na informação e prometi-lhe solenemente que, em chegando a casa destruiria a cópia que possuía. Que ficasse tranquila que tal sucederia pela certa.
E tantas vezes o assegurei que ela acabou por se descontrair um pouco e passamos a uma pequena mas amena conversa. Estava há cerca de um ano em Portugal, a língua escrita entendia-a mas a falada era uma dificuldade. E que um dos objectivos em aqui estar era o continuar os estudos iniciados na terra natal, nomeadamente em filosofia.

Em chegando a casa e em tratando as imagens e dados recolhidos, confesso que me passou pela cabeça ficar com a imagem. Afinal, ninguém saberia da coisa, ninguém a veria, nem mesmo a retratada e a sua prole, pelo que nenhum mal daí adviria. Excepto…
Excepto a minha própria consciência! Que palavra dada é palavra a cumprir, mesmo que mais ninguém saiba que o fiz. Que o meu pior juiz sou eu mesmo!
E foi destruída!

E se a retratada, cujo nome eu tenho mas que aqui não referirei como é óbvio, por aqui passar, que esteja descansada:
Daquela fotografia, feita numa destas tardes de 2008 no Jardim da Estrela, não existe nenhum outro registo que não seja aquele pedaço de papel com que ficou.
Porque, afinal, seja qual for a fé que nos move (monoteísta, animista ou ateísmo) a honra é comum a todas!

Texto e imagem: by me

A fotografia do dia


Muitos, senão todos, me perguntam que ganho eu com o fazer fotografias e dá-las gratuitamente.
As respostas que vou dando variam um pouco, levando em linha de conta os interlocutores. Ou falo no meu estudo - o que é verdade -, ou refiro o meu prazer em fotografar – o que também é verdade -, ou afirmo que os seus sorrisos são a paga suficiente – o que é igualmente verdade.
Mas o meu maior lucro são as histórias e estórias que vou ouvindo, vendo ou vivendo.

Tocou-me em sorte um casal, na casa dos quarentas. Conversa vai, conversa vem, e quiseram fazer uma fotografia. Ela exuberante e sorridente, ele mais sério e bem séptico quanto à situação.
Enquanto fazia o inquérito habitual, diz-me ela a dado passo:
“Sabe, é que nós somos amantes! Eu sou divorciada, mas ele é casado. Eu já assumi a nossa relação, ele é que ainda não! Esta é a nossa primeira fotografia juntos.”
(Ops! Esta é novidade e bem ternurenta!) Atalhei logo com a questão da web e se a queriam lá ou não, não fosse dar-se o caso… Efectivamente não queriam e eu assumi o compromisso de o respeitar, como de costume.
Depois disto, e com um sorriso tímido, ele começou a soltar-se e comentou ser pena ser apenas uma fotografia. Quem iria ficar com ela? Na verdade, a questão já estava a ser decidida, com ela a cortar a fotografia entregue, por forma a caber na sua carteira, junto com as dos filhos e a do pai, que fez questão de mas mostrar.
As regras existem para serem quebradas! Donde, não tinha muito que saber: Vá de imprimir uma igual e de lhas ofertar.
O sorriso que vi na cara dele, valeu por tudo. Acontecesse o que acontecesse no resto do dia, este momento pagou tudo o resto. Tinha feito AQUELA fotografia!

A fotografia? Bem, o local onde foi feita foi este, mas não estavam à espera que eles aqui aparecessem, pois não?

Texto e imagem: by me

A mentira


Primeiro veio um.
A dificuldade da língua foi, não apenas mais que evidente, como a mais complicada que já tive. Nem mesmo com aquele marinheiro Polaco, que nada sabia que não a sua língua natal, mas cujo guia rápido de conversação Polaco/Inglês/Polaco sempre ajudou um pouco.
Mas deu para ele entender que era grátis e quis fazer uma foto. Não lhe consegui arrancar um sorriso para a posteridade.
Passado um pouco, não muito, regressa com um companheiro. Com este a comunicação foi muito difícil, mas já dava para nos entendermos, entre palavras e gestos. Queriam fazer uma com os dois.
Pois que seja, que estamos em época baixa e não é uma extra que me empobrece.
E continuei a não ser capaz que sorrissem.
Feita, entregue e agradecida, ficaram à conversa na sua língua bem distante da nossa. Mas sempre deu para irmos percebendo (eu e um casal que por ali estava a assistir à função) que estavam a discutir.
Uns minutos passados, regressam e pedem para fazer uma segunda. Pelo que entendi, a questão era saber quem ficava com aquela que lhes tinha entregue. Com os pedidos habituais e as recomendações à protecção divina que é típica de quem vem daquelas bandas.
Quando me preparava para fazer uma segunda impressão, eis que constato que regressam ao local da pose. Mais, um deles, apesar dos protestos do companheiro, começa a despir-se, retirando um surpreendente número de camisolas, umas mais grossas que outras.

Está grosso”, disseram os que assistiam. E pensei eu.

Mas não! Parou nos propósitos que aqui vêem e foi assim que quiseram ficar na fotografia. Sempre sem um sorriso.
Despediram-se com um forte aperto de mão, vénias, sorrisos rasgados e um franco elogio meio invejoso à minha barba.

Interpretação minha:
Fortes, másculos, rebitesos, sem frio e sem fome
Quem diz que a fotografia não mente?

Texto e imagem: by me

Afinal, o que é uma boa fotografia?


Um dos prazeres da fotografia é o desafio que nos levanta. Confrontados com um dado assunto ou objecto, conseguirmos usar a luz (quantidade e qualidade), materiais sensíveis, perspectiva e suporte final para reproduzirmos o que vimos ou imaginámos. A transposição da tridimensionalidade para a planura do papel ou ecrã.
Um dos temas que tenho por mais difícil de fotografar é vidros, joalharia ou cutelaria. Para além da questão do contexto em que são mostrados, o seu brilho e textura levam a que o rigor na tomada de vista seja levado muito a sério. Nunca tentei fotografar profissionalmente automóveis, mas creio que as dificuldades sejam semelhantes.
Outro tema que tenho por difícil é o bicho-homem. A sua mobilidade constante, a permanente mudança de expressão e de humor, a necessidade de transpor para a imagem a sua alma, karma ou que lhe queiram chamar, tornam este género fotográfico num dos mais difíceis e polémicos.
Acrescente-se que o retrato é a “pérola da dificuldade”, já que, e para além da crítica do fotógrafo e do público em geral, o próprio retratado é do que há de mais exigente. As questões técnicas e estéticas em geral deixam-no indiferente, mas as poses, as expressões, os olhares e sorrisos ou a postura corporal são vitais, e a culpa é sempre do fotógrafo.

Um bom exemplo desta prática e dificuldade é o meu projecto "Oldfashion". A perspectiva é escolhida por mim, considerando os elementos do fundo, a luz e a sua rotação de 90º durante o tempo que por ali estou.
Para simplificar o processo, os retratados são colocados em zona de sombra, tal como o fundo. Não apenas reduz os eventuais excessos de contraste difíceis de controlar neste método, como ainda permite que os sistemas automáticos de focagem e exposição funcionem medianamente bem.
O local onde os fotografados se colocam também é por mim escolhido. Por uma questão de composição de elementos – o corpo é vertical, o enquadramento horizontal – como também para que exista algum contraste de tons e luz entre o torso e o fundo. Nem sempre consigo que fiquem onde gostaria, já que demasiado controlo neste aspecto retira alguma espontaneidade aos fotografados. E a câmara, compromisso meu, não sai do local.
Sobre a pose, pouco ou nada intervenho. Para além de ajustar um tudo ou nada o eixo dos corpos em relação à objectiva, se for demasiado chocante o que naturalmente assumem, e de deixar cair uma laracha no momento da obturação, o resto é por conta deles.
De tudo isto resultam fotografias que técnica e esteticamente estão no limite do aceitável. Algumas abaixo, talvez. Mas a reacção dos retratados é particularmente divertida.
Ainda que a fotografia seja fracota, quase todos dizem que gostaram e que ficou boa, manifestando algum espanto que aquela caixa as possa fazer. Mesmo que as suas expressões demonstrem que não gostaram por ai além. As suas preocupações debruçam-se sobre as poses, os sorrisos, os olhares…
Uma senhora houve que, olhando para o papel que tinha na mão, comentou: “Esta sou eu, não é!” Pela conversa, prévia e posterior, entendi a sua tristeza face às agruras da sua vida. Uma outra, brasileira, e na casa dos quarenta, comentou o quanto tinha envelhecido nos últimos dois anos, tempo da sua estada por cá. A gente jovem ri-se de si mesma e procura com afinco os olhos e a expressão da boca. Num caso, cheguei mesmo a ter que ceder a minha lupa do relógio para que fossem vistos.
Mas, muito curioso, é o facto de serem os agentes das forças de segurança (PSP e GNR) os mais exigentes com o que vêem e recebem. É neste grupo, independentemente das idades e cuja maioria quer a fotografia em papel mas recusa a sua presença na internete, que se encontram a mais duras críticas. Quer seja a luz, quer seja o instante da expressão captada, quer seja a pose ou o local escolhido, quer seja por parecerem mais gordos… Nem mesmo outros fotógrafos que quiseram ser fotografados foram tão críticos. Não sei se esta atitude de rigor advirá dos seus ofícios, em que não deixam de ser o que são, estejam fardados ou à paisana.
Quanto aos demais fotografados, em regra, tomam por uma boa fotografia aquela que não o é, e que por vezes é medíocre.

O que me põe a perguntar, muito seriamente: “Afinal, o que é uma boa fotografia?”

Texto e imagem: by me

Agora é agora!


Sabe, era ali ao fundo, junto ao portão. Era lá que costumava estar o fotógrafo, às vezes mais que um. Outras vezes estava lá um e outro por aqui, perto do coreto.
Era na altura em que eu e o resto da canalha miúda vínhamos para aqui, junto à árvore-da-borracha e vínhamos apanhar bagas. Depois com paus de fósforo, também apanhados aqui e ali, fazíamos uma espécie de coroas. Nelas espetávamos folhas de árvore e ficávamos assim com um coçar de índio com penas e tudo. Dividíamo-nos em índios e cowboys e íamos ali para o fundo, para aquilo que chamávamos de montanha, brincar.
Mas isso era naquela altura. Agora… Bem, agora é agora!

Isto foi, mais coisa menos coisa, o que me contou um dos meus interlocutores, já não tão novo quanto isso como se percebe. Ainda me adiantou que terá sido ainda antes de a feira popular ter passado por estes terrenos, entre o estar em Palhavã e o ir em definitivo para Entrecampos. Onde se finou!
Na imagem, uma tosca tentativa de recriação dessas coroas.
Não é fácil fazê-lo regular e a escolha das bagas bonitas e redondas também não.
Mas o mais complicado, a bem dizer o que foi impossível, foi encontrar uma caixa de fósforos. Carteira ainda se encontra. Agora caixa, daquelas pequenas com quarenta amorfos no interior e que cabem no bolso…
Bem, não corri seca e meca, mas das duas dezenas de lojas onde entrei apenas me propuseram carteiras, e nem em todas elas.

É que agora…. Bem, agora é agora!

Texto e imagem: by me

Aguaceiros? Pois sim!


E, se ao sairdes da cama num inicio de fim-de-semana, constardes que será de aguaceiros, não pondereis seriamente se ficareis em casa ou se saíreis para fotografar. Saí!

Tereis assim oportunidade de retratar:
gente dos oito aos noventa e dois anos,
solitários,
aos pares
ou em grupo,
pais e filhos,
namorados,
primos,
gémeos,
colegas
ou irmanados na mesma limitação,
faladores que nem gralhas
ou surdos-mudos de nascença.

Canalizadores,
esteticistas,
psicólogos,
arquitectos,
diplomatas,
armadores de ferro,
serventes,
estudantes,
reformados,
donas-de-casa,
professores,
operadores de lavandaria,
empregados de escritório,
técnicos de informática,
carpinteiros,
técnicos de elevadores
ou serralheiros mecânicos.

Podereis ainda:
rir e fazer rir,
sonhar e fazer sonhar,
fotografar e serdes fotografado.

Cobrir três dos cinco continentes sem sair do lugar,
escrever, soletrar ou copiar nomes arrevesados,
ter gente a não acreditar na oferta insólita
e outros a querer aproveita-la até à última gota.

Ver passar:
a polícia,
o vendedor de flores,
o de castanhas assadas,
o guarda-jardim,
os que passeiam o cão,
e por eles ser cumprimentado com um da casa.

Ser confidente de uma metade de um arrufo de namorados de longa data e prometer-lhe uma compensação por uma fotografia roubada.
Ver alguém triste e arrancar-lhe um sorriso porque, afinal, não é exactamente como se vê ao espelho.

Não!
Se o fim-de-semana prometer aguaceiros, saí e fotografai!
Não há duas nuvens iguais, tal como não há pessoas iguais nem fotografias iguais.
Mas os sorrisos, esses, provocam sempre o mesmo: outro sorriso.

Texto e imagem: by me

Amor com amor se paga


Tenho que admitir que fui mauzinho, mas não resisti!

Vi-a aproximar-se. Fins dos 60’s, principio dos 70’s, bem vestida e com um andar firme. Ao passar pelo chafariz (avariado e sem torneira, por sinal), parou. Deu meia volta, abeirou-se de um canteiro florido e colheu um ramalhete. Não uma nem duas mas um ramalhete de flores.
Não gostei! Não gostei nem um bocadinho! Claro que elas estão ali, sem redes nem guardas. Mas tenho para mim que, ainda que sejam pagas pelo erário público, ou por isso mesmo, as devemos lá deixar ficar, para nosso prazer e dos que em seguida vierem. Mas como ela não terá sido a primeira nem, infelizmente, será a última, deixei-me ficar, registando para mim o facto. Nada mais.
Depois de as ter composto na mão, retomou a marcha. Para os meus lados. E quando deu com os olhos no meu artefacto, inflectiu o rumo e aproximou-se.
Às saudações habituais, de quem está bem disposto consigo e com o mundo, acrescentou a questão de, estando eu por ali, porque não iria eu também ao Jardim da Parada, ali em Campo de Ourique?
Lá lhe respondi, cortês mas sem grandes sorrisos, que gosto mais do da Estrela (ainda que já lá tenha estado e até nem me tenha desagradado. É uma alternativa possível.)
Quando me perguntou pelo preço, não perdoei! Disse-lhe que eram grátis mas não roubadas, como as flores que tinha na mão! E que se todos fizessem como ela, nenhuma restaria para vermos e gostarmos!
A resposta? Bem, foi sublime!
Disse que sabia ser pecado; Que antes mesmo de as arrancar tinha pedido perdão a deus; Que eram para a sua neta, pelo que seriam para uma boa causa; Que ela mesma até era muito piedosa, alimentando mais de vinte gatos vadios lá na rua dela, sem pedir nada a ninguém.
Os deuses perdoam, os burros esquecem! Não sendo eu nem uma coisa nem outra, quando acrescentou que haveria de passar por ali de novo, desta feita com a neta, para “tirar” uma fotografia, sempre lhe disse que logo se veria se me apeteceria ou não fazê-la.
Olhou para mim uns segundos, sorriu como se tivesse acabado de me perdoar de uma terrível blasfémia e seguiu o seu caminho sem mais uma palavra.

Não sei se lhe recordarei a cara caso regresse daqui a uns dias. Mas se a memória me não falhar e ela voltar, fotos minhas de borla não terá!
Manias minhas, que até gosto de ver as flores nos jardins!

Texto e imagem: by me

Apelo


Procura-se, com afinco, uma bicicleta e fé!

A bicicleta:
Amarela, com guarda-lamas azuis e a imagem e o nome de Nodi impressos de lado. É de tamanho infantil, tem duas rodinhas extra atrás para que não caia, é nova e chia ao andar.
A dona, Madalena de seu nome, deslocou-se ao Jardim da Estrela sábado passado com os seus pais, vinda de Odivelas nos arrabaldes, Com os seus cinco anitos, o seu intuito era usufruir do espaço, da tarde e da infância, andando no seu velocípede quase novo.
De acordo com o relato feito pelos pais, o brinquedo, que terá custado pouco mais de oitenta euros, foi emprestado pela mocinha a uma outra amiguinha ali recém-conhecida e que por ali também brincava. Enquanto a legítima dona brincava com uma bola, a outra dava umas pedaladas. Mais velhinha um pouco, gorduchinha e de vestido branco, não mais foi vista ou à bicicleta.
Nessa tarde e na seguinte, o jardim foi batido pelos pais, o alerta foi dado aos que por ali costumam estar, na esplanada, nos bancos e nas relvas, aos polícias de giro…
Até às 18 horas do dia seguinte ao desaparecimento, não havia boas notícias para contar.

A fé:
A fé da Madalena na partilha, na generosidade e na espécie humana.
Esta garotinha, triste e repreendida pelos pais por causa do seu empréstimo, terá perdido a natural espontaneidade em emprestar e a fé nos seus iguais.
Esta má experiência, que aos cinco anos pode ser traumatizante, irá prepará-la para o mundo agreste, violento e egocêntrico em que vivemos. Mas é uma preparação particularmente precoce e dolorosa.
Deveria durante muito tempo ainda – toda a vida se possível – ser solidária, generosa, partilhante de si mesma e do que possuir para com os que possam necessitar. “É de pequenino que se torce o pé ao pepino”, mas este deveria crescer a direito, rijo e recto em direcção aos outros, ao grupo, à humanidade.

As alvíssaras que se possam dar pela recuperação desta bicicleta e desta fé não serão em moedas. Medem-se em afectos!

Texto: by me
Imagem: by me (e não, não são os olhos da Madalena)

Apontamentos


Domingo, Jardim da Estrela.

Apesar de o dia ter estado bonito e eu ter reiniciado o “Oldfashion”, nem tudo correu pelo melhor.
Começando pela Natureza ela mesma. Temperatura amena de início de primavera, sol radioso a prometer um verão quente, sem vento ou outras agressões que pudessem por em perigo as vontades dos passantes. Mas ainda é cedo e a minha árvore preferida, aquela que provoca a sombra agradável onde a quero, ainda não se vestiu, mantendo-se com o aspecto de quem toma banhos de Inverno, na chuva.
A crueza do sol levou-me a procurar outras sombras mas, confesso, os fundos não me convenceram agora, tal como não me tinham convencido anteriormente: ou bem que é contrastado no sol-e-sombra, ou bem que é cosmopolita em demasia ou bem que é uma parede fechada, de vegetal ou de alvenaria, que não me permite ver as linhas de fuga de que gosto.
O recurso? Passar o dia a mudar de poiso, ao sabor do movimento angular do sol e dos ajuntamentos de transeuntes.
E se a primavera já mostra um “ar da sua graça”, os alfacinhas ainda estão tímidos no que ao ar livre respeita e a manhã foi de uma pobreza franciscana no que toca a passeantes.Que fazer então, se não há “clientes”, se os locais propícios são escassos e, ainda por cima, ocupados por carros-patrulha da polícia? Inventa-se!
As promessas primaveris já aí estão, sob a forma de alguns frutos, que se vão acumulando no chão antes da passagem do varredor municipal. Este é um deles, em equilíbrio instável no topo da minha câmara artesanal.
Uma promessa de futuro que fará medrar o meu projecto!

Texto e imagem: by me

Atrás de um olhar


Quem é?
Eu sei-o, ele sabe-o mas será não muito importante que os que por aqui o vêem o saibam.
Basta que se saiba que foi alfaiate de ofício, filósofo de coração, retórico convicto.
Não sei se seria dois terços do que é se não fosse mais um dos que, por esse país fora, arrastam o que lhes sobra na memória e afecta a vida sobre o que passaram em África. Um daqueles que por lá estiveram, que voltaram com a pele toda, que fizeram o que fizeram, que viram o que viram e que, ainda hoje, em sonhos ou acordados, não o conseguiram guardar numa gaveta da memória.
É assustador constatar quantos por aí andam, deambulando, desejosos de encontrar algo ou alguém que lhes restitua uma noite que seja de tranquilidade.
No meu para-ofício de fotógrafo de jardim, ali estando com alguma bonomia ouvindo e retorquindo, acabo por ser, também, ouvinte do que me vão contando. E, à medida que os contactos se vão repetindo e as confianças aumentando, as memórias vêm à tona, uns desabafos tímidos, um lançar a bisca a ver se poderão continuar ou se serão tratados como loucos, que é a tónica dominante nos tempos que correm.
Dos detalhes ainda não ouvi. Apenas dos sintomas e das consequências. E das idas às consultas, das longas noites insones, dos receios de perca de auto-controlo, dos medos nas ruas, do pavor de regressar a casa… destes e de outros detalhes vou ouvindo, sem saber bem que responder que não seja com os ouvidos, escutando-os e tentando que ali, junto a uma câmara de outros tempos, sem estranhos de volta, possam contar voluntariamente o que os assusta de outros tempos e de hoje, sem peias ou recriminações.
Dos idosos que por ali andam, no Jardim da Estrela, são pelo menos quatro com estas atitudes que de mim vão fazendo confidente. E eu, em escutando-os e vendo-lhes as mudanças de humor e, ocasionalmente, uma lágrima escondida, recordo-me dos nossos políticos que tentam, a todo o custo, esconder estas misérias humanas de que somos todos, de uma forma ou outra, responsáveis. E possuidores do dever de para com eles ter uma atitude mais condigna na sua condição de ex-combatentes, fosse ou não válida a guerra em estiveram envolvidos.
Porque o conceito de pátria ou de nação, seja isso lá o que for, não se prende apenas aos momentos de glória e de êxtase.
Para estes olhos, e para os outros que vagueiam por todos os “jardins da estrela”, os meus pedidos de desculpa em nome dos portugueses, pelo abandono a que são votados!

Texto e imagem: by me

Au revoir!


Nunca vos aconteceu? Acordarem de manhã com uma música no ouvido? Pois a mim acontece-me volta e meia.
Nunca percebi muito bem o motivo de tal e muito menos os critérios para que seja essa e não qualquer outra. Por vezes é uma mais popular e simples, outras uma mais pesada e “rocalhada”, por vezes ainda uma qualquer outra menos comum e insuspeita.
Pois nesta manhã de domingo, que tinha previsto ir passar no Jardim da Estrela, dei comigo a sair da cama com a Marselhesa no ouvido. O “Allons enfans de la patrie” não havia meio de querer parar de sair pela boca, ecoando na cabeça, materializado mais por assobio que cantado, que só sei a primeira linha. E nada o justificava, que não o tinha ouvido recentemente, não tinha visto nenhum filme desta língua, nem mesmo ouvido qualquer música com esta origem nos últimos tempos.
Não prestei muita atenção ao facto. Até porque o conceito que à época, o acompanhou – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – fazem parte da minha maneira de estar na vida.
E eis que dou comigo, em pleno Jardim da Estrela, com concerto musical por fundo, a fotografar desesperadamente. Foi uma tarde altamente proveitosa, sob diversos pontos de vista, incluindo o número de imagens efectuadas. Felizmente levava reservas de energia e matéria-prima, ou teria ficado apeado.
Com o que eu não contava foi o ter que usar dos meus parcos conhecimentos da língua francesa com transeuntes, fotografados ou não. Em regra o inglês sobrepõe-se, sendo que é o actual “esperanto”. Mas esta foi uma tarde francesa.
E, dos diversos contactos que tive nesta língua, evidencio com particular ênfase esta mocinha que aqui vedes. Depois de uma troca de fotografias, fiquei sabendo que, para além de marselhesa de origem, é estudante de fotografia. E, mesmo estando de férias, não dispensa a sua câmara e o seu uso. Recomenda-se!
O que também se recomenda é reparar com atenção no que tem nas mãos: uma Bronica 6x45. Película formato 120, doze fotografias por rolo, nada de zooms ou artifícios electrónicos. É com esta ferramenta que aprende o ofício, suponho que também com qualquer outra digital que possua. Mas esta foi a que escolheu para trazer nas férias.
Digam lá o que disserem os pedantes da fotografia contemporânea, a fotografia faz-se pensando, mesmo a reportagem. E esta câmara é uma das que obriga a tal exercício. Pela forma como é manuseada, pelo custo de cada imagem, pela sobriedade das opções. Há que saber o que se faz antes de o fazer. Ou, por outras palavras, há que saber o porquê antes de se encontrar o como.
Fica daqui o meu aplauso à Lola, assim se chama ela, bem como à escola onde estuda que a incentivou a tal.
Au revoir!


Texto e imagem: by me

Como ilustrar?


Não chegava a um metro e setenta. A sua barba era branca e estava de acordo com o graduado dos óculos de aros grandes e quadrados. O cão que trazia pela trela quase que lhe arrancava o braço, de seco que era de carnes.
Quando se aproximou, meteu conversa. O artefacto ali exposto é, quase sempre, motivo de conversas com o seu utilizador, de sorrisos de memórias distantes ou de apartes para os companheiros de passeio. Mas os oitenta anos deste passeante não perdoaram e acabou por se sentar no banco de jardim.
Passado um pouco de bate-papo de recordações, eis que, do outro lado do coreto, surge uma cara conhecida. Já por lá tinha passado várias vezes e muitas tinham sido as horas de conversa filosófico-política. Um dos seus entreténs é tentar desmontar a afirmação do fotógrafo em ser anarquista.
Na sua companhia vinha um gigante. Não um mitológico, mas media, bem medidos, um e noventa e cinco. Para cima.
Fotógrafo e câmara são apresentados, como figuras raras mas já típicas do local, com um comentário “Não te tinha dito?!”
Conversa vai, conversa vem e, a propósito de qualquer coisa, falou-se de basquetebol. Que o mais alto dos dois Luíses tinha praticado há uns bons quarenta anos.
E o pequenino, lá do banco com o cão ao lado, salta como que picado:

“Basquetebol? Você praticou basquetebol? É que, sabe, eu fui seleccionador do Clube Tal! Sou o Carvalhal!”
“Nem me diga! Quando? Então deve-se lembrar de mim, que treinámos e jogámos juntos!”


E lembrava! As memórias conjuntas jorraram como que fresquinhas: nomes, lugares, encontros e resultados. Fotógrafo e visitante habitual ficaram de fora, que nada daquilo lhes dizia respeito, a não ser a satisfação daquele encontro fortuito e improvável.
Dos relatos distantes resultaram nomes e encontros recentes e foram reforçados por telefonemas para outros dali ausentes mas que tinham partilhado lugares e experiências. E trocas de números de telefone.
Antes de se separarem, os dois para um almoço com terceiros, o mais pequeno com o cão para casa, deixou o conhecido uma pergunta:

“E agora? Como é que vai registar este encontro? Nem uma fotografia dos dois juntos faz?”
“Não! retorquiu o fotógrafo, Como mau repórter, fico-me com as memórias e as letras, mais tarde lançadas no papel. Depois logo penso numa imagem!”

Aqui fica, deixando as recordações e o reencontro para quem o viveu.

Texto e imagem: by me

Como se declara isto?


E o que fazem esta duas florzinhas pousadas na tampa do meu artefacto?
Estas flores foram, talvez, o melhor pagamento que já tive desta minha actividade!

Foi aí pelas onze e pouco da manhã. Não estava a contar com grande coisa antes do almoço, que é sempre fraco se produtivo, mas montei a banca. Ainda não tinha acabado de um fazer, eis que surge uma família completa. Um casal e quatro pimpolhos.
Pergunta-me o pai se aquilo era o que ele estava a pensar e se eu estava ali a fazer fotografias. Confirmei, expliquei a gratuiticidade do acto e a brevidade do processo. Dispuseram-se a fazer.
Click feito, com o clássico “Olho passarinho” e, quando vou a passar para o papel, tudo falha. O sistema de impressão tinha “dado o berro” e não havia meio de o por a trabalhar.
Meio aflito, que estava a ver que a coisa não seria fácil de resolver, pergunto se estariam ali pelo jardim mais algum tempo, que eu tinha um problema e que levaria uns quinze minutos a soluciona-lo. Anuíram e continuaram o passeio matinal.
Tive que esventrar a caixa, mas resolvi a coisa! Percalços que se transpõem conhecendo bem o equipamento. E imprimi a imagem, ficando à espera que retornassem.
Passada uma meia hora, eis que o pai regressa com a pequenita. Em troca da fotografia, oferece-me ela estas duas flores que trazia escondidas.
Fiquei sem fala, mas com a minha câmara muito mais bonita e valiosa. E há quem diga que este negócio não rende!

Texto e imagem: by me

Culturas


Não eram particularmente bonitas. Pelo menos pelos nossos padrões Lusos. Mas também não eram feias. Nem pelos nossos padrões nem, suponho, pelos delas.
Irmanadas nos seus metro e sessenta, mais ou menos, diferiam nos volumes, sendo que uma era bem seca de carnes, enquanto que a outra era rechonchuda, sem ser gorda no entanto.
Partilhavam também as roupas modestas, os cabelos longos em trança numa e apanhados na outra, a carteira dependurada a tira-colo e os pensos-rápidos, os Borda d’Água e os calendários, que iam vendendo a quem encontravam no seu périplo pela cidade.
Ninguém duvidaria que se tratavam de duas Romani, ciganas vindas da Roménia.
Uma delas já eu tinha visto por ali, com a curiosidade dos seus vinte anitos e de quem vagueia sem rumo certo. Já tinha parado para ver o que ali acontecia, mas a sua timidez, bem manifesta no seu sorriso nervoso, sempre a arredara da frente da objectiva.
A outra, a mais gordita, ainda não a havia visto. Comunicativa e com um sorriso franco e cativante, logo identificou a sua conterrânea que tenho no expositor. E ainda que tenha tentado convencer a amiga em a acompanhar na experiência fotográfica, acabou por a fazer sozinha. Os pensos e o Borda d’Água ficaram de fora, mas o calendário fez questão de exibir para a posteridade. Talvez por ter a imagem da Senhora de Fátima com os pastorinhos.
Conversa feita, fotografia entregue, risos tidos, pedido de uma segunda, como não poderia deixar de ser, partiram para outras paragens por ali, em busca de alguém que quisesse o seu negócio.
O que me deixou mesmo espantado foi o fecho do episódio.
Antes de se afastar, a retratada quis-me cumprimentar e esticou-me a mão para um quase viril aperto de mão. Que retribui sem mais. E a amiga, que já tinha dado uns passos, voltou atrás para cumprir este ritual que em nada consta das tradições de origem. Que ao que sei, que fui saber para confirmar, por lá e nesta comunidade, contactos físicos entre Romani e não Romani são raros em havendo diferença de género. Mais ainda, se um homem da família não estiver presente.
O que me deixou mesmo boquiaberto foi o seu remate de saudação: levantado a mão, levou-me àquela palmada amigável de palma com palma. Sinal de código de grupo juvenil, em nada relacionado com as suas origens e menos ainda com as nossas diferenças de idade.Foi toque de cumplicidade, um agradecimento personalizado de alguém que pouco ou nada tem para dar em troca do recebido. E foi também um misturar de culturas, um mostrar conhecer os hábitos locais, ainda que não os certos.
Esta aculturação, e facto de o ter feito, fez com esta fotografia feita no Jardim da Estrela fosse das mais bem pagas que ali tive.
Senti-me honrado com a deferência!

Texto e imagem: by me

Detalhes


O homem identificou-me pelo nome. Pelo menos por metade dele, que me sabia o apelido. E, enquanto trocávamos umas frases sobre a origem deste conhecimento, o filho continuava por ali a circular na sua pequena bicicleta.
Por mim, admito, não me recordava dele, já que não é fácil fixar uma cara que vai a conduzir um táxi chamado de noite, quando vamos sentados no banco de trás. Mas ele não esquecia a barba, o chapéu, a circunstância em que me tinha conduzido… umas três semanas antes.
Por fim, lá conseguiu convencer o filhote a fazer-se fotografar, bicla e capacete incluídos. E quando, depois de impressa, a foto estava a ser analisada pelo pai babado, disse:

“Nem sabe como esta fotografia vai ser importante. Ele esteve de férias, na terra, durante um mês, voltou hoje e a mãe ainda não o viu. E enquanto esteve com os avós, caíram-lhe os dois dentes da frente. É a primeira fotografia que ele tem assim, com aqueles dois buraquinhos ali na frente da boca.”

Se a fotografia é para mais tarde recordar, espero que os corantes jorrados sobre papel durem tanto quanto as memórias.
É que o primeiro dente que cai é um marco na vida. Do próprio e dos pais.

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Não foi difícil de convencer, que queria mesmo fazer a fotografia.
Na verdade, o difícil foi fazê-lo aceitar as condições do negócio. Dizia ele que nada na vida é grátis, que tudo é por dinheiro e que o custo zero não existe.
Quando lhe disse que assim não era, que o ver aqueles periquitos que por ali vão passando, que o sentir o ameno da tarde estival, que o ouvir a criançada a rir lá no parque infantil era bom e era de borla, achou graça mas não ficou convencido.
E quando lhe contei que naquele negócio o lucro das partes era discutível, já que ele levaria a fotografia mas que eu ficaria com o seu sorriso e que, ponderadas as coisas, não saberia dizer quem ficava a ganhar, riu-se um pouco mais, chamou-me de “poeta” e ficou convencido.
Quando preenchia o formulário entendi todas as suas reticências: Profissão Economista!A sua imagem? Tenho-a mas não a publico. Que a privacidade é um direito e um bem e esse ele não negoceia!

Texto e imagem: by me

Doeu


Estou ligado à imagem (fotográfica, cinematográfica ou videográfica, foto-química, electrónica ou digital) desde que me conheço!
Tive a minha primeira câmara fotográfica aos 12 anos (e ainda a tenho) e usei uma câmara de cinema pela primeira vez aos 16 anos (ainda tenho a câmara, a moviola e a coladeira). O vídeo foi aos 19 anos, em termos profissionais e ainda trabalho na mesma empresa.
São assim muitos milhares de milhões de biliões de imagens que tenho feito ao longo da minha existência (em fotografia serão apenas umas centenas de milhar).
Das que fiz em suporte fotográfico ou cinematográfico, guardo-as a todas. Ainda que a esmagadora maioria não tenha sido vista por outros olhos que não os meus. Senão o resultado final, o positivo impresso, pelo menos os originais, aquele pedaço de película que recebeu a luz no interior da câmara.
Não se trata de uma mania ou de um fetiche. Apenas entendo que cada uma delas, num dado momento, teve muita importância na minha vida e que, como tal, a devo guardar. Por muito má que técnica ou esteticamente possa ser. E muitas são-no!
Guardo-as todas, menos uma! Uma que fiz, que materializei em papel e que, logo de seguida, rasguei. E que, horas depois, destruí definitivamente, apagando o original digital. Irrecuperável, seja de que forma for.
Doeu! Garanto que doeu!

Estava eu na minha actividade de fotógrafo de jardim. Câmara montada, saco encostado ao tripé e eu, deambulando em redor, olhando os passantes.
Destes, junta-se a mim um casal, dos seus cinquentas, acompanhados por uma criança pequena num carrinho, que dormiu o tempo todo, felizmente.
Olharam de um lado e do outro e perguntaram-me quanto custava a fotografia. Perante a minha resposta do costume, que era grátis, pediram para fazer uma. E lá se puseram onde lhes sugeri, assumindo a pose que entenderam.
Depois de feito o registo original, e enquanto o resto da técnica funcionava, continuei com a conversa habitual, que aquilo levava algum tempo, que mais logo à noite estaria na Internet (tenho essa informação exposta do dois lados da câmara) e que gostaria, entretanto, que me respondessem a duas ou três perguntas muito simples.
Aqui a coisa complicou-se a sério!
Que eu deveria ter dito logo que era para a net, para que raio queria eu as respostas, que andava a fazer as coisas às escondidas, que não autorizavam as fotos na net nem respondiam às perguntas…
E o seu tom de voz foi assumindo proporções que começaram a fazer-me sair do sério. Apesar de toda a afabilidade e bonomia que faço questão de ter aqui. Mas consegui manter as estribeiras, não correspondendo ao vocabulário por eles empregue.
Terminou a situação com o rasgar ali mesmo em frente deles da imagem entretanto impressa. E com o compromisso, sempre por mim assumido, de não publicar a imagem, entretanto captada, contra a vontade deles. Ficaram eles com o meu cartão para que o pudessem ir verificar, se o entendessem!
Nos dez minutos que se seguiram, o meu deambular em torno da câmara não foi o de quem espera um “cliente” mas antes o de um tigre enjaulado, tentando recuperar o bom humor que quase me tinham feito perder.
Mas o resto da tarde acabou por correr admiravelmente bem, quase esquecendo eu o episódio.

Mas à noite, ao processar as imagens recolhidas, dei de novo com a que deles tinha feito. Ainda hesitei um pouco. Sim ou não? Acabou por ser sim e apaguei-a. Não tinha assumido tal compromisso, mas apaguei-a! Definitivamente!
Dos arquivos digitais, que dos neurónios nunca sairá. Esta será, na minha já longa carreira, uma imagem única. Porque a destruí eu mesmo, deliberadamente. Poderia não o ter feito, até porque a sua ignorância nestes processos é tal que nem souberam exigi-lo. Mas a minha raiva contra estes dois “marretas” foi tal – é tal – que me recuso a que conspurquem os meus arquivos de imagem!
Mas que me doeu premir a tecla “delete” do teclado, lá isso doeu mesmo!


Texto e imagem: by me

Domingo no parque


E eu? Estava a gostar?
Tenho que admitir que, auditivamente, nem por isso. A música, para mim, tem que ter em doses equilibradas ritmo, melodia a harmonia para que me convença. E não era o caso. E se na categoria de jazz cabem muitos tipos e estilos de música e intérpretes, estes não eram do meu agrado.
Mas já me agradava francamente ver toda aquela gente, espalhada neste e noutros relvados em torno do coreto, recostada aos muitos puffs liberalmente dispersos, ou gozando da frescura da relva em contraste com o cálido da tarde estival, a ouvirem e a gostarem.
Pelo menos alguns, que o manifestavam com aplausos no final de cada tema. Porque outros se entretinham a ler, ou a ver por onde andava a prole de bicla ou patins, ou vendo os mais pequenitos a deliciarem-se com a relva nos pezitos descalços, ou indo aproveitar as ofertas de promoção da beberagem.
Porque estes concertos de jazz em tarde de verão acontecerão todos os domingos de Setembro no Jardim da Estrela, pelas 17 horas. São o fim da época estival de promoção de uma marca de bebidas de água com sabores que foram animando alguns dos jardins emblemáticos da capital.
Da bebida não gostei, deste grupo também não. Mas se das águas apaladadas não repetirei, o mesmo não posso dizer dos concertos. Juntar música ao vivo com aquela plateia bonita de se ver com o agradável de um jardim de verão e com a fotografia…
Que melhor domingo pode um fotógrafo desejar?

Texto e imagem: by me

É p'ró menino e p'rá menina!


“Olha! Esta fotografia foi tirada em Sintra! E esta aqui no jardim. E esta também, lá do outro lado!”
“Ora então se sabe estas, talvez me saiba dizer onde foram feitas as outras, do outro lado da câmara.”
“Fácil! Então esta foi em Belém e estas foram aqui!”
“Boa! Pois por ter acertado em todas tem direito, completamente grátis, a fazer e levar uma fotografia feita aqui mesmo e agora!”
“Então e se não tivesse acertado?”
“Também fazia, e também de borla. Mas isso é outra conversa.”

Com estas e outras larachas, entre algumas risadas e outras conversas sérias, tive a tarde bem ocupada a fotografar.
O jardim estava cheio por via do concerto promovido por umas bebidas ditas “refrescantes”. Não gosto delas, mas a música sabe bem e ver a relva e os bancos assim compostinhos, com gente de todas as idades e estratos sociais, é uma alegria.
À conta da banca que montaram para ofertar as garrafinhas e que atrai uma multidão famélica de borlas e brindes, tive que improvisar e optar por outro poiso. E aquele que uso como alternativa estava ocupado com viaturas da produção do evento, pelo que tive mesmo que escolher outro local. Optei por uma meia distancia, entre a multidão e o quiosque-esplanada, onde agora vou tomando o meu cafezinho da ordem (bem bom, por sinal!)
Pois quando cheguei do almoço, perto desta nova localização, estava este “palhaço”, a tentar fazer pela vida. O seu negócio era vender estes balões de feitios. E, apesar do seu traje, o limitado do seu artesanato não aumentava com o seu sotaque de terras de vera cruz.
Mas como já lá estava aquando da minha chegada e a nossa proximidade seria alguma, fui ter com ele para lhe perguntar se não se importaria que montasse a minha banca por perto. É que, ainda que com negócios e clientela diferentes, acabaríamos por fazer alguma concorrência recíproca. Por mim, não me importava, mas ele estava a ganhar a vida.
Pois não levantou obstáculos, que em sendo um “sem licença”, tal como eu, ser-lhe-ia difícil de o fazer. E ainda acabou por me pedir, caso me fosse possível, o fazer-lhe umas fotos dele em acção, para um eventual portfolio que queria fazer.
Mas eu mesmo estive por demais ocupado para poder fazer muito mais que isto. E que a luz também não ajudava, que os “contra-luz”, em reportagem, implicam um cuidado que não pude ter.
Aliás, estive tão ocupado que, perante o calor que se fazia sentir, fui salvo por um velho conhecido ali do jardim, que me levou uma daquelas garrafinhas plásticas. Gostasse ou não, líquidos são líquidos e eu estava sedento. E, antes de se afastar, ainda me soube dizer:

“Com essas barbas, estás cada vez mais oldfashion!”

Bem, eu uso a pelagem, o colete e a barriga, este aqui usa a maquiagem, o colorido e o sotaque. E se ele cobra umas moedas, eu cobro um sorriso.
Em qualquer dos casos, tanto no negócio dele como no meu,

“É p’ró menino e p’rá menina, dos 8 aos 80, bem medidos para um lado e para o outro”.

Texto e imagem: by me

Felicidade


O ser humano precisa de se afirmar no grupo a que pertence. Pelo que é e pelo que faz.
E um retrato, um registo para a posteridade, feito formalmente ou em tom de brincadeira, é uma forma de afirmação, objecto de observação e critica cerrada por parte do retratado.

Curioso é de observar que se manifesta ou critica sobre o que é ou o que faz expresso em retrato. E são dois grupos, manifestamente distintos. A fronteira fica algures na casa dos quarentas anos de idade, nuns casos mais acima, noutros mais abaixo.
No grupo dos mais novos, o que é observado e/ou criticado é aquilo que faz.
As poses, as expressões, as posições corporais, os relacionamentos com outros retratados.O eventual – ou frequente – desagrado não se manifesta sob a forma de “não gosto” ou “fiquei mal”, mas antes pela ironia, pelos comentários jocosos, pela auto-critica. Frequentemente, com o menosprezo da sua própria aparência e uma crítica acutilante sobre os demais no grupo retratado.
Para estes, o que é importante num retrato não é o que são mas antes o que fazem e como o fazem.
Por seu lado, os pertencentes ao grupo mais velho preocupam-se francamente mais com o que são ou aparentam ser.
As manifestações de idade constatáveis pelo peso ou volume, pela posição do esqueleto, pela cor da pelagem ou pelas rugas são os factores que mais procuram ver num retrato, numa tentativa inútil de constatar que não parecem ser o que são. Que os olhos dos outros não vejam aquilo que sabem ser.

Estou em crer que a felicidade passa por uma são convivência com o “Eu” físico, tentando melhora-lo se se o entender, mas não o negando ou repudiando.
E, acima de tudo, não ligando a mínima à opinião que os outros possam ter sobre si mesmo. Ao vivo ou no papel.

Texto e imagem: by me

Ginástica de luz


Sabemos, com a certeza que a ciência nos dá e a prática nos ensina, que fotografar é registar a luz.
A que é emitida ou reflectida dos objectos e que, passando por um qualquer sistema que a canaliza e organiza, vai modificar, transformar ou deformar um pedaço de matéria. Cabe ao fotógrafo rectangularizar a luz e permanentalizar essa modificação.
Isto é fotografia na sua essência. Todas as outras considerações sobre estética, ética e técnica são argumentos por vezes fúteis ou inúteis sobre esta verdade factual.
Podemos pensar em significados e significantes, mensagens e interpretações, se o retrato transmite a alma do retratado ou se a perspectiva é bonita. Mas sem luz, a nossa matéria-prima, nada aconteceria!
É ela que modela os nossos assuntos, que pinta o nosso rectângulo (um dia fotografarei em formato triangular!), que atrai as nossas atenções e nos mostra o que nos cerca. E quando ela lá não está como a queremos, ou quando queremos ou quanto queremos, usamos toda uma parafernália de equipamento para que esteja. Reflectindo ou projectando, continuamente ou por breves instantes, com instrumentos minúsculos ou com camiões e cordões umbilicais atrás.
Quando em exteriores, dependemos as mais das vezes do sol e das sombras naturais. Os contrastes são de mais complexo controlo e não raramente olhamos para um dado assunto, subjectivamente interessante, e dizemos: “Isto até tem graça e é bonito, mas com esta luz não!” E registamos um eventual regresso ao local em condições mais propícias.

Um exercício de imaginação e de capacidade (ou incapacidade) de resolver problemas relacionados com a luz é passar um dia plantado no mesmo local, fotografando.
Com árvores próximas e afastadas, provocando sol e sombra nos assuntos próximos e distantes. E, se a mãe natureza ajudar ao exercício, que o céu esteja ora coberto, ora descoberto, fazendo variar os contrastes de luz com frequência.
Para dificultar o exercício, tenham-se ideias definidas sobre semiótica, estética, perspectiva e mensagem. E recuse-se o recurso a luzes artificiais.
Garanto-vos: o maldito do movimento de rotação do planeta deita por terra as melhores intenções, obrigando a ginásticas mentais e práticas para encontrar equilíbrio entre todos os factores.
E, muitas vezes, ficamo-nos pelas eliminatórias!

Texto e imagem: by me

Histórias de uma fotografia


A história aconteceu a vários tempos.

Conhecemo-nos no Jardim da Estrela, num domingo em que a Banda da Carris actuou. Durante o concerto, estava a câmara “Oldfashion” encostada, que o espaço era reduzido e as atenções mais para a música que para ela. Eu ia fotografando com a DSLR, a curta distância que as precauções assim o impunham. Mas, a dado passo, um homem acercou-se.
Ex-marinheiro da Armada, recordava ter feito uma fotografia com uma câmara destas, no Terreiro do Paço, e que o fotógrafo tinha feito uma montagem desta com a da sua noiva. Há quase cinquenta anos. E que a esposa ainda a tinha a carteira.
Confesso que não resisti, engoli a vergonha e pedi para a ver. Foi ter com a esposa, que estava a uns metros de distância com amigos e regressou com a foto. Uma 9x12, dobradinha e quatro, faltando já prata nas zonas dos vincos, mas as caras ainda se viam, bem como o tom rosado da aguarelada dada às flores em redor.
A dona e retratada, à distância que aquela era uma conversa de homens, mantinha uma vigilância feroz sobre o seu tesoiro, não fosse algo acontecer-lhe.

Algum tempo depois, duas semanas mas não garanto, eis que o casal se cruza comigo de novo. Conversa vai, conversa vem, e perdendo toda a vergonha que ainda me pudesse restar, tenho o topete de lhes perguntar se poderia fotografar aquela antiguidade. Aquela fotografia com história. E que me comprometia a retoca-la, na medida do possível, eliminando os vincos e recompondo os pedaços em falta. E que lhes daria uma cópia impressa disso.
Não sei se pela lisonja de saberem a fotografia importante, se pela cobiça de a terem retocada, acederam e eu fotografei-a com a 6Mpixel.
Já em casa, e em tendo tempo, dediquei-lhe a minha melhor atenção. A empresa era mais complicada do que eu tinha suposto, que havia que inventar muito, mas lá fui dando conta do recado. Imprimi-a e coloquei-a junto com os “pertences” do “oldfashion”, que só assim os voltaria a encontrar, no jardim da Estrela.

O tempo foi passando e as férias de verão e a minha falta de disponibilidade para lá ir regularmente fizeram com que passassem mais de dois meses sem que nos cruzássemos.Quando, há coisa de semana e meia, os vi aproximar, a relação do casal era a do costume: ele a marchar à frente, ela arrastando-se atrás uns metros.
Veio ele direito a mim, com um sorriso equivalente ao que eu mesmo exibia e, após as cortesias habituais, entreguei-lhe a fotografia. O seu sorriso alargou-se ainda mais, agradeceu-me e afastou-se em direcção à esposa. E seguiram os dois, mais um casal que os acompanhava.
Um pouco depois, voltaram ambos pelo mesmo caminho e ele, desviando um pouco o rumo, disse-me que a mulher tinha gostado muito e que estava a pensar em coloca-la numa moldura a comprar. E afastaram-se.
Durante todas estas conversas, nunca consegui ouvir a voz da senhora e o mais que vi para além do olhar vigilante quando eu tinha a foto em meu poder, foi um sorriso tímido depois de ter recebido a cópia.

Hoje, a meio da tarde, cruza-se comigo uma senhora de idade. Uma daquelas que costuma frequentar o jardim, reformada que está, e com quem vou conversando quando calha.
Cumprimentámo-nos e, em tendo andado uns dez metros, volta para trás e interpela-me.Diz-me que já tinha visto a fotografia, que estava na salinha do casal, dentro de uma moldura de madeira comprada para o efeito. Que estava muito bonita e que a dona me agradecia muito pelo trabalho.

Tenho pena que a personalidade omnipresente e omnipotente de um sargento da marinha na reforma tenha eclipsado a possibilidade de a esposa fazer um agradecimento pessoalmente.
Mas o recado foi dado e a minha satisfação em a saber contente chega-me!Quem sabe que histórias e estórias esta foto, sacralmente guardada por cinquenta anos numa carteira e agora à luz do dia, tem para contar?

Texto e imagem: by me